"A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão."
A frase é atribuída ao poeta e crítico literário curitibano Paulo Leminski e também ao cineasta norte-americano Woody Allen.
Dúvida à parte, o dramaturgo irlandês Oscar Wilde deu uma contribuição sobre o mesmo tema.
"A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida."
Ironicamente, 'A Fazenda 14' foi um reflexo fiel do Brasil agressivo de 2022, com a polarização ideológica gerando uma espécie de patologia coletiva.
A edição vencida pela atriz e ex-paquita Bárbara Borges é considerada a pior de todos os tempos pelo grau de toxicidade nas palavras e atitudes da maioria dos competidores.
Nunca se viu tanta troca de hostilidade em um reality show. Ainda que tenha se consolidado pelos barracos, o programa da Record superou o próprio limite de apologia ao ódio.
Assistir à atração foi um teste para a saúde mental do telespectador. Certo sadismo é aceitável ao acompanhar a guerra no confinamento entre quem luta por um prêmio e um pouco mais de fama.
Mas somente uma pessoa movida por uma perversão não se incomodaria com a permanente troca de ofensas em altos decibéis, as ameaças de agressão física, os deboches contra características físicas...
Deixou de ser uma disputa por R$ 1,5 milhão e um entretenimento leve. Virou um experimento de tortura psicológica televisionada — e com patrocinadores associando suas marcas conceituadas a tal show deprimente.
A grande derrotada de 'A Fazenda' não foi Deolane Bezerra, que entrou como favorita e protagonizou uma vexatória desistência, e sim a Record TV.
A credibilidade do canal foi enviada à 'roça' por aparente permissividade com a violência generalizada e o descontrole que permitiu interferência externa em seu principal reality show.
Tivemos a impressão de que a emissora criou um monstro e depois se tornou refém de sua própria criatura, a exemplo do que ocorre no clássico gótico 'Frankenstein'.
A péssima imagem deixada pelo programa, justamente na TV de propriedade de um líder religioso, se junta ao olhar pejorativo sobre as novelas bíblicas e à suspeita de jornalismo condescendente com a direita colérica.
A Record TV vai precisar retomar as rédeas de sua franquia de reality show e convencer o público, a imprensa e o mercado publicitário de que a próxima temporada será diferente.
Na final, a apresentadora Adriane Galisteu, desrespeitada ao vivo algumas vezes nesta edição, comemorou o 1º lugar no Ibope (por alguns minutos, ressalte-se). Há graça em ultrapassar a Globo com um produto tão controverso?
As vitórias pontuais no ranking de audiência não impediram 'A Fazenda 14' de amargar uma das piores médias de todos os tempos, com 7,3 pontos, a metade do recorde de público conquistado nas 1ª e 3ª edições.
A produção fecha um ano frustrante para amantes do formato 'show de realidade'. O 'BBB22' ofereceu bons momentos, porém, a monotonia dominou boa parte de sua duração.
Outros realities na TV aberta, como 'No Limite 6' e 'Ilha Record 2', não empolgaram. Falharam na missão de despertar a curiosidade do telespectador.
Começaremos 2023 com a expectativa pela estreia do 'BBB23' e discussões a respeito de como será 'A Fazenda 15'.
Queremos o quê?
Uma competição 'paz e amor'? Uma arena de baixarias? Uma disputa recheada de romantismo e sexo sob o edredom? Um ringue de vale-tudo? Uma melodramática novela da vida real? Tudo ao mesmo tempo não dá. É querer demais.
O público consumidor do gênero precisa refletir a respeito. Talvez esteja esperando demais da televisão enquanto deixa de viver intensamente a própria vida.
Seja de Leminski ou Allen, a declaração crítica está certa: ninguém merece uma existência medíocre como um programa ruim de TV.
