Ela não é apenas má. É muitíssimo má. Simplesmente a mais temida e reverenciada vilã da teledramaturgia brasileira. Odete Roitman (Beatriz Segall, magnífica) fez aparição triunfal no capítulo de Vale Tudo exibido na quinta-feira (19) no Canal Viva.
A poderosa ‘chegou chegando’. Espinafrou o diretor de sua companhia aérea, Marco Aurélio (Reginaldo Faria), falou mal do Brasil – nas palavras pejorativas dela, um “balneário qualquer” – e fez sua filha Helena (Renata Sorrah) ter uma crise nervosa e recair no alcoolismo após longo período de abstinência.
Antes de aterrissar no Rio, ela passou recomendações expressas: não queria ver mendigos na calçada do hotel nem ouvir turistas com crianças falando português na frente de sua suíte.
Afinal, Odete prefere se expressar em francês (insupportablement chic!) e detesta a cafonice dos brasileiros. Na opinião da matriarca dos Roitman, a mistura racial que compõe o País não deu certo – para ela, o politicamente correto não existe, é claro.
No capítulo seguinte, a empresária reclamou do “calor horroroso” e da “gente feia” nas ruas do Rio. “O mundo está um caos”, reclamou.
Nem dá pra contestá-la. O Brasil de 1988, ano no qual a novela foi gravada, melhorou na mesma proporção que regrediu. A corrupção e a violência destacadas no folhetim estão ainda piores hoje.
Odete Roitman representa a elite que não apenas ignora como sente repulsão da classe média e dos pobres. Simboliza ainda o egocentrismo, a ganância e a completa ausência de empatia. Ela não consegue se compadecer nem com a filha alcoólatra.
Em pânico, Heleninha toma um porre a fim de ter coragem de enfrentar a mãe opressora. O reencontro gera uma briga dramática, numa das melhores cenas apresentadas em novelas.
De tão bêbada, a artista plástica problemática cai diante de Odete. A intensa troca de olhares entre as duas resume os sentimentos que dominam a relação de ambas: mágoa, decepção e desprezo.
A partir daí, o telespectador acompanha as loucuras de Helena em sua queda livre rumo ao fundo do poço. Ela exala sentimentos corrosivos como rejeição, o desamor e culpas variadas (inclusive por ser rica numa nação de maioria pobre).
Já Odete oferece ao telespectador intermináveis discursos preconceituosos e tramoias para ganhar mais poder, influência e dinheiro. As maldades só cessam quando acontece o assassinato mais famoso da ficção televisiva brasileira.
“Quem matou Odete Roitman?” foi a pergunta feita por 145 milhões de brasileiros 30 anos atrás. Hoje, somos quase 210 milhões, e o fascínio despertado pelos personagens e as tramas de Vale Tudo continua intacto.
Deixou de ser somente uma novela: virou um retrato fiel do Brasil e de seu povo. Registro tão bem-feito que nem o tempo conseguiu superá-lo.
(Vale Tudo, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, com direção geral de Denis Carvalho. Canal Viva, de segunda a sábado às 15h30, com reprise à 0h30.)