Homem aparentemente heterossexual com vida dupla para desfrutar em sigilo sua bissexualidade ou homossexualidade é algo comum na sociedade brasileira.
Para comprovar isso basta uma pesquisa rápida em aplicativos gays e chats de sexo entre homens. Casados com mulher em busca de aventura homo recorrem cada vez mais a esses recursos tecnológicos.
Na novela das 21h da Globo, ‘O Outro Lado do Paraíso’, esse perfil é representado pelo psiquiatra Samuel, papel desempenhado com vigor por Eriberto Leão.
Ele se uniu à enfermeira Suzy (Ellen Rocche) apenas para agradar a mãe conservadora, Adinéia (Ana Lúcia Torre), que vê o filho como baluarte da virilidade.
Longe da vida de aparências em casa e no hospital, o médico mantém um caso com o motorista Cido (Rafael Zulu). Uma relação baseada no dinheiro que Samuel dá ao amante.
Por ter assinado o laudo psiquiátrico responsável pela internação compulsória de Clara (Bianca Bin) em um hospício, o médico se tornou o primeiro alvo da vingança da jovem milionária.
Para atingi-lo, a moça vai usar a homossexualidade de Samuel. Quer que o psiquiatra seja desmascarado diante dos olhos da esposa e da mãe.
No capítulo de terça-feira (2), o advogado Patrick (Thiago Fragoso) contestou Clara: não seria preconceituoso usar a orientação sexual de uma pessoa para destruí-la?
Clara e seu cúmplice na trama, o também médico Renato (Rafael Cardoso), não titubearam: alguém que mente a respeito da própria sexualidade merece ser exposto.
O julgamento moral da justiceira passa como rolo compressor sobre qualquer pilar ético. Há maniqueísmo evidente: Clara, a vítima, pode fazer o que quiser para se vingar dos inimigos – até arrancar do armário um homem que tem medo e vergonha de assumir o desejo por outros homens.
Na cena, notou-se a preocupação do autor Walcyr Carrasco, bissexual assumido, em minimizar possíveis críticas ao uso da homossexualidade como fator de demérito de uma pessoa.
A justificativa de Clara e Renato – o psiquiatra desleal não merece piedade e, portanto, não há razão para preservar o sigilo de sua sexualidade – deve convencer a maioria dos telespectadores.
Afinal, a heroína sempre recebe carta branca do público para pintar e bordar, e já foi testado e provado que boa parte dos noveleiros não tem simpatia por quem foge do padrão heteronormativo, ainda que na ficção.
Se de um lado a novela presta um serviço ao mostrar a dificuldade de tantas pessoas em lidar (e aceitar) a própria sexualidade, há um contrassenso ao usar justamente a homofobia internalizada de Samuel para feri-lo.
Passa-se a impressão de que ninguém está autorizado a viver sua sexualidade em particular e todo homem com vida sexual dupla deve ser desmoralizado em público.
Mas já providenciaram um remendo politicamente correto: Adinéia, a mãe opressora que certa vez defendeu a demissão de um médico simplesmente por ele ser gay, vai aceitar de imediato o filho homossexual após flagrá-lo de lingerie e batom.
A vida real poderia ser tão simples como é nas novelas...