Em mais um tropeço verbal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva associou a produção audiovisual do país a conteúdo vulgar. “Eu sou da turma em que artista, cinema e novela não é (sic) para ensinar putaria. É para ensinar cultura”, disse.
A declaração controversa cabe no discurso de um bolsonarista que prega boicote aos atores em geral, à Globo e aos filmes nacionais. O que o chefe do Executivo quis dizer exatamente com “putaria”? Na visão de um extremista de direita, seriam as cenas de sexo, as personagens prostitutas e as tramas que abordam diversidade de gênero e identidade sexual.
Na sequência, a fala de Lula ficou ainda mais confusa. “É para ensinar cultura. É para contar história, é para contar narrativas e não para dizer que nós queremos ensinar coisas erradas às crianças. Não, nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se, porque nós queremos muita arte, muita cultura e muita disposição das pessoas participarem.”
Não existe arte sem liberdade de expressão. Não há arte com censura ideológica ou religiosa. Não se faz arte sob uma cartilha de bons costumes que condenam a suposta “putaria”. Em relação ao que uma criança pode ou não assistir, já existe a classificação indicativa. Basta que pais ou responsáveis prestem atenção ao aviso para evitar que os filhos assistam à conteúdo impróprio para a idade.
A “putaria” mais nociva à sociedade está em Brasília, onde tantos políticos trabalham apenas por interesses pessoais e dão prioridade a temas meramente midiáticos com pouco impacto na qualidade de vida da maioria da população.
A manifestação do presidente traz à memória um comentário do jornalista Gerson Camarotti na ‘Central GloboNews’ em agosto de 2023. “Todo mundo que conhece Lula na essência, desde a época sindical, sempre viu no Lula um perfil mais conservador nos costumes”, disse. “Ele pode estar mudando com a Janja, mas os amigos antigos do Lula falam que ele tem, do ponto de vista da pauta de costume, sempre um viés mais conservador.”
Nas manchetes na imprensa, a declaração polêmica do presidente ofuscou a boa notícia anunciada em evento: um programa que destinará R$ 1,6 bilhão para a produção de filmes e séries brasileiros. Eleito com apoio majoritário da classe artística, ele faz a primeira injeção relevante de recursos para a produção audiovisual em 18 meses de governo.