Aguardado como se fosse o ‘Tropa de Elite’ de 2017, o longa ‘Polícia Federal – A Lei é para Todos’, baseado na Operação Lava Jato, é um sucesso de público, com quase 500 mil ingressos vendidos somente nos primeiros dias de exibição.
Mas não agradou a crítica. O filme dirigido por Marcelo Antunez, com financiadores ainda mantidos sob sigilo, teria romantizado em excesso o perfil e o trabalho dos policiais retratados, além dos limites da licença poética aceitável a qualquer obra de ficção, ainda que pautada por fatos verídicos.
Parte da classe policial também reagiu negativamente. O drama heroico teria subvertido a realidade ao supervalorizar alguns profissionais em detrimento de outros.
Para entender as polêmicas do filme, o blog ouviu o agente da Polícia Federal Alexandre Santana Sally, presidente do Sindicato dos Policiais Federais de São Paulo (SINDPOLF/SP).
No filme, houve glamourização excessiva da figura dos delegados?
Sim. Com relação aos procuradores, como o filme tratou da Polícia Federal, não houve espaço para o Ministério Público, mas vale registrar que colocaram a figura dos dois procuradores como ‘subalternos’ dos delegados, o que não é a realidade, uma vez que o MP é o titular da ação penal. Em relação aos delegados, a glamourização foi evidente, uma vez que 90% do que fazem no filme são as funções, na verdade, desenvolvidas por outros cargos, como Agente e Escrivão de Polícia Federal. Exemplo: em uma cena, um delegado apresenta aos policiais o que chamamos de ‘aranha’. ‘Aranha’ é um organograma que facilita o entendimento e as ligações entre fatos, coisas e pessoas, ou seja, parte-se de um alvo e faz-se ligações originando o desenho qu e lembra uma ‘aranha’: fulano falou com beltrano, que é dono da empresa tal, que pertence a sicrano, que é parente de fulano... Essa ‘aranha’ é atividade privativa e específica do cargo de Agente de Polícia Federal do Setor de Inteligência. Delegado não faz isso, não realiza esse tipo de serviço. É o Agente de Polícia Federal que exerce essa atividade. No filme, quem surge fazendo a ‘aranha’ é um delegado, o que não condiz com a realidade.
O que mais o senhor notou de estranho no roteiro?
Um delegado dirige uma viatura ostensiva da Polícia Federal. Piada! Nenhum delegado dirige viatura da Polícia Federal em operação. Sempre quem está na direção é um agente, escrivão ou papiloscopista. Em operações policiais não há nenhuma situação de viatura com apenas um único policial e ainda sendo motorista. E isso acontece em várias partes do filme. Em uma perseguição policial, um delegado, além de estar sozinho numa viatura e dirigindo, troca tiros com um traficante que está na direção de um caminhão. Fantasioso. Em situações de risco, e em grandes operações, nenhuma viatura fica com apenas um policial. Sempre estão três ou quatro. Outro exemplo romantizado é a prisão do doleiro Alberto Youssef. Novamente um delegado corre at rás do Youssef quando percebe que ele está num corredor e o prende num táxi. E os outros policiais que estavam com ele? Normalmente quem corre atrás do bandido é o Agente. Delegado correr atrás de bandido, na prática? Risível. Essas são algumas das incongruências que percebi. Existem mais, de ordem estritamente policial e sensível, que não posso focar aqui.
Como avalia essa espetacularização do trabalho policial: melhora ou prejudica a imagem dos profissionais?
São dois aspectos. De um lado, ajuda sim a trabalhar a imagem do Órgão Polícia Federal, de uma forma positiva, angariando a simpatia e apoio da sociedade em geral, uma vez que o ser humano tem por hábito vincular imagens de filmes a situações da vida real. Assim, quando alguém olha para um Policial Federal, automaticamente vem à mente conceitos positivos, como combate à corrupção, eficiência para desvendar crimes, tecnologia de ponta para investigação, confiança no trabalho, respeito ao Policial Federal. De outro lado, infelizmente, essa espetacularização, para quem conhece o trabalho policial de investigação, especialmente para os policiais federais, gera muito equívoco, em razão de ter o delegado se tornado um ‘super policial’, usurpando funções e atribuiçõ es dos cargos de Agente e Escrivão, o que leva a sociedade, que conhece a Segurança Pública de forma superficial, a acreditar erroneamente que o delegado faz tudo na polícia, ignorando a existência dos outros policiais.
A classe policial reclama da maneira como é tratada pela imprensa, pois acha que só as falhas ganham destaque na TV. A mídia erra ao noticiar sobre a polícia?
Sim, infelizmente. Quando um policial arrisca a vida, literalmente, oferecendo a sua vida para proteger a sociedade (coisa que muitos não fariam por qualquer salário!), e, por exemplo, numa perseguição com trocas de tiros, na qual os bandidos tentam a todo custo matar o policial, e esse policial termina matando o bandido, a imprensa noticia como um ‘assassinato’ do policial contra o bandido. O bandido vira vítima e o policial, réu. A imprensa dá muito espaço para noticiar os avanços da criminalidade, sem perceber que isso se torna uma ‘propaganda’ para o mundo criminoso, à margem da sociedade, ‘valorizando’ o ato criminoso e retroalimentando a violência. Quanto ao policial, não se vê, por exemplo, nenhuma notícia do tipo ‘policial herói detém bandidos que estupraram menor de 11 anos’ ou 'graças ao profissionalismo do policial, bandidos são presos com grande quantidade de cocaína’.
Essa postura da imprensa suscita qual reação da polícia?
Vivemos uma inversão de valores sociais. A atuação da imprensa está, infelizmente, colocando os policiais a adotarem atitudes omissivas para evitar serem crucificados e criminalizados por suas condutas legais ao defender a sociedade. Hoje, o policial tem, por assim dizer, medo do que pode sofrer por sua atuação estritamente legal. O bandido não tem nada a perder, pois ele está na vida do ‘tudo ou nada’; e se fortalece na medida em que a sociedade marginaliza o policial e defende o bandido. A utilização dos direitos humanos no Brasil está flagrantemente exacerbada, onde não se aplica o meio termo, mas o extremo, e em desfavor do policial e da própria sociedade.
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