Na edição de terça-feira (2), o ‘Jornal Nacional’ anunciou que a Globo exige a responsabilização de quem agrediu seu correspondente Leonardo Monteiro na frente de Jair Bolsonaro, em Roma.
“A Globo contratou serviços jurídicos na Itália para que o caso seja acompanhado”, informou o âncora Helter Duarte, que substitui William Bonner, em férias.
No domingo (31), após o repórter levar um soco no estômago de um homem da comitiva oficial – ainda não se sabe se era um segurança ou policial – ao ser hostilizado pelo presidente, a emissora solicitou apuração pelas autoridades italianas.
Até o momento, o Palácio do Planalto não se manifestou. Vários colegas jornalistas, outros veículos de comunicação e entidades representativas da imprensa condenaram a violência e prestaram solidariedade a Leonardo Monteiro.
Esse é o mais recente capítulo da tensa relação entre o líder do Poder Executivo e a mais influente rede de TV do País. Jair Bolsonaro odeia a Globo, mas não consegue ignorá-la. A cada nova provocação, o presidente gera mais manchetes e audiência para a emissora.
Estranhamente, ele não descarta a possibilidade de dar entrevista ao canal. Pelo contrário: até tomou a iniciativa. “No tocante ao Sistema Globo, se quiser uma entrevista ao vivo, tô à disposição”, propôs em live de 23 de setembro.
De lá para cá, alguns episódios azedaram ainda mais o trato entre Bolsonaro e a televisão líder em audiência, com público quase 3 vezes maior do que o das principais concorrentes.
Em 10 de outubro, ao conversar com jornalistas no Guarujá (SP), ele se eximiu da responsabilidade sobre a agressão de um apoiador de seu governo contra uma equipe da TV Tribuna, afiliada da Globo no litoral. O homem gritou “Globo lixo” e deu um tapa na câmera.
“Se alguém fizer algo de errado, o que que eu tenho a ver com isso, meu Deus do céu? Não vi as imagens. Sou contra qualquer agressão, assim como sou contra a agressão que vocês fazem com fake news”, afirmou Bolsonaro, impaciente.
Na mesma ocasião, ele criticou o jornalismo da emissora carioca. “O que é fake news? Aquilo que a imprensa não diz? Tudo é fake news... Com todo respeito, quem é mais fake news do que a Globo?”, disse.
Em live de 14 de outubro, o presidente associou a crise econômica e o aumento de preços aos famosos da TV que usaram as redes sociais para estimular a população a aderir ao distanciamento social na pandemia.
“Vocês lembram dos artistas globais, dos atores e atrizes? ‘Fique em casa’... Lembram disso? Tá chegando o preço pra pagar aí. Eu estimulei a todos a trabalhar”, disparou.
No dia 27 de outubro, ao ser entrevistado por Sikêra Jr. no ‘Alerta Nacional’, da RedeTV!, Bolsonaro afirmou que a Globo age “como um partido de oposição” contra ele. “É o tempo todo assim... Quando eu não apanho fico até preocupado. Todo dia tem pancada.”
O presidente foi além. Sugeriu que o apresentador e editor-chefe do ‘Jornal Nacional’, William Bonner, o persegue. “(A onda de crítica) tem a participação dele, do âncora”, acusou. Na sequência, mudou a voz na tentativa de imitar o jornalista dando uma manchete sobre o não uso de máscara em público e riu.
O grau de animosidade entre Bolsonaro e a Globo subiu consideravelmente depois da ação brutal contra o correspondente Leonardo Monteiro, enviado de Lisboa à capital italiana para cobrir o encontro do G20 e tentar falar com Bolsonaro.
A violência filmada por outros jornalistas aconteceu depois que o repórter questionou por duas vezes a ausência do chefe de Estado brasileiro da foto oficial dos líderes do G20 na Fontana di Trevi.
“É a Globo? Você não tem vergonha na cara?”, irritou-se Bolsonaro. O jornalista insistiu no questionamento. “Vocês não têm vergonha na cara, rapaz”, retrucou Bolsonaro.
O Grupo Globo reagiu com um editorial contundente lido no ‘Fantástico’, no ‘Jornal Nacional’ e em outros telejornais da Globo e GloboNews. “É a retórica beligerante do presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas que está na raiz desse tipo de ataque”, diz trecho.
“Essa retórica não impedirá o trabalho legítimo da imprensa. Perguntas continuarão a ser feitas, os atos do presidente continuarão a ser acompanhados e registrados. É o dever do jornalismo profissional. Mas essa retórica pode ter consequências ainda mais graves. E o responsável será o presidente.”
Os veículos de comunicação do Grupo Globo destacaram o pedido do senador Randolfe Rodrigues, que é líder da oposição no Senado e foi vice-presidente da CPI da Covid, para abertura de inquérito pelo Ministério Público Federal a fim de investigar as agressões contra jornalistas na presença de Bolsonaro.
O parlamentar da Rede Sustentabilidade defende uma ação civil pública por dano coletivo baseada em ameaça à liberdade de imprensa e ainda a aplicação de multa contra o presidente da República.
Nessa guerra midiática há erros dos dois lados. Jair Bolsonaro não deveria se omitir – ou demonstrar indiferença – diante de ataques físicos contra jornalistas trabalhando na cobertura de atos da Presidência.
Ao não condenar os excessos, ele compactua com quem os comete e estimula a onda de hostilidade contra a imprensa e, consequentemente, o risco à democracia. Essa atitude dúbia destoa da grandiosidade da posição que possui no cenário institucional.
A Globo erra ao não convidar o presidente para uma entrevista. Goste-se ou não, ele ocupa o cargo mais importante da República. Ligar as câmeras para ouvi-lo – inclusive para contestá-lo – seria a melhor atitude do telejornalismo da casa. Evitar dar espaço a Bolsonaro faz a Globo se apequenar e alimenta esse conflito inútil.