Segunda-feira, 26 de abril de 1965, 11h35. Entra no ar a TV Globo. Aos 60 anos, Roberto Marinho estreia sua primeira emissora, 1 ano após o golpe militar que tirou João Goulart da Presidência.
Quarta-feira, 5 de outubro de 2022. Data em que vai expirar a concessão pública da rede carioca. A decisão de renovar ou não cabe ao presidente da República e precisa ser chancelada pelo Congresso.
Aumentou o clima de incerteza sobre qual atitude Jair Bolsonaro vai tomar após o editorial lido por William Bonner e Renata Vasconcellos na edição do dia 6 de janeiro do ‘Jornal Nacional’.
Palavras duras condenaram o negacionismo do presidente, sua cruzada contra as vacinas e a insensibilidade em relação às 300 mortes de crianças por covid-19 no Brasil.
O âncora e editor-chefe, seu inimigo número 1, foi objetivo e enfático. “O presidente Jair Bolsonaro é responsável pelo que diz, pelo que faz. Espera-se que venha também a ser responsável por todas as consequências daquilo que faz e diz.”
O posicionamento do jornalismo da Globo repercutiu na imprensa e nas redes sociais. Estranhamente, não houve contra-ataque do Palácio do Planalto. Bolsonaro ficou em silêncio. Sua tropa on-line subiu a hashtag #CalaABocaBonner.
Desafeto da família Marinho muito antes de se tornar o homem mais poderoso do País, ele não economiza xingamentos contra a TV líder em audiência. “Essa imprensa lixo chamada Globo. Ou melhor, lixo dá pra ser reciclado. Globo nem lixo é, porque não pode ser reciclada”, disparou em abril de 2020.
A artilharia verbal contra a emissora inclui ainda: “porca”, “nojenta”, “imoral”, “patife”, “canalha” e “jornalismo podre”. Desde que foi eleito, enviou avisos públicos a respeito do processo de concessão. Deixou no ar a possibilidade de não assinar a renovação.
Para tirar a Globo do ar, Bolsonaro precisaria de um motivo grave, previsto na Constituição e no Código Brasileiro de Comunicações, além dos votos de 2/5 de deputados e senadores para confirmar o ato. Nada indica que tenha tal argumento nem o apoio necessário no Congresso.
Não é a primeira vez que o canal fica sob ameaça de ter a concessão suspensa. No início da década de 1980, o então presidente João Figueiredo, que era general do Exército, cogitou tirar a licença caso a Globo fizesse cobertura positiva do movimento Diretas Já, conforme relatou Boni, vice-presidente da emissora na época.
Desde sua fundação, a TV Globo sobreviveu a 12 presidentes (5 na ditadura militar, regime apoiado por Roberto Marinho, e 7 após a redemocratização). Teve conflitos com alguns deles, principalmente Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016).
Nunca houve tanta animosidade como nos três primeiros anos de Jair Bolsonaro no cargo. Uma guerra de nervos e palavras entre o representante máximo do Poder Executivo e o veículo mais importante do Quarto Poder.
Esse conflito representa uma ameaça à liberdade de imprensa e, ao mesmo tempo, reforça a importância do papel do jornalismo independente, sem nenhum tipo de coação, censura e ingerência – inclusive a controversa regulação pretendida pelo presidenciável Lula.
Apesar da tensão contínua, e de possível acirramento por conta da concessão a vencer, a probabilidade de a TV dos Marinhos ser extinta por Bolsonaro é nula.
A emissora tem aliados influentes no Legislativo, no Judiciário e no mercado (boa parte das maiores empresas do Brasil anuncia no canal e não quer perder essa vitrine gigantesca para seus produtos e serviços).
Conta ainda com o apoio de fração relevante da mídia, formadores de opinião e telespectadores. Em 2011, ao discursar a seus funcionários, Silvio Santos, que teve programa no canal de 1965 a 1976, resumiu o cenário. “A gente sabe que lutar contra a Globo é impossível.”
O lendário Homem do Baú sabe o que fala. Presidentes vêm e vão, a Globo permanece.