Como é prazeroso ver uma atriz finalmente receber um papel à altura de sua potência artística.
Aos 40 anos, após quase duas décadas na TV, Thalita Carauta sobe ao primeiro time da teledramaturgia.
Em 'Todas as Flores', do Globoplay, ela entrega tudo e mais um pouco na pele de Mauritânia.
A ex-atriz pornô que se torna milionária por herança e enfrenta o preconceito social é um presente ao público.
Vai da comédia rasgada, com suas tentativas de se integrar ao universo dos ricos esnobes, ao drama comovente pela rejeição familiar.
Xingada de mequetrefe e rastaquera pelos detratores, ela segue entre altos e baixos para se firmar como empresária do mercado de luxo.
No fundo, o que mais deseja é respeito e aceitação. Afinal, dinheiro nenhum compra a sensação de se sentir pertencente a um lugar e verdadeiramente amado.
A personagem — uma espécie de gata borralheira de nossos tempos — exala humanidade.
Quem nunca se flagrou deslocado no mundo e injustiçado por aqueles que mais preza?
Nas plataformas digitais, especialmente no TikTok, cortes de cenas são elogiados. "Mauritânia me representa" é um comentário recorrente.
Thalita mergulha sem rede de proteção nos conflitos da personagem. Gargalha, chora, debocha, briga, se deprime, lança sua sedução brejeira nos homens...
Sempre convincente e com o olhar que nos convida a apoiá-la. Uma atuação realista e, ao mesmo tempo, com elementos de um conto de fadas.
Em um momento com tantas protagonistas fracas em novelas da Globo, como as entediantes Brisa de 'Travessia' e Clarice de 'Cara e Coragem', Mauritânia faz o noveleiro ter prazer em consumir cada capítulo.
O talento e o carisma de Thalita já estavam certificados por tipos como a feiosa carente Janete do 'Zorra' e a professora Eliete de 'Segunda Chamada'.
Antes, chamou a atenção com os improvisos em cena quando fez a babá Lídia, que cuidava de uma criança com Síndrome de Down em 'Páginas da Vida'.
Cria do teatro, a atriz demorou a se projetar na TV por não ter o padrão de beleza exigido para papéis de mocinhas e vilãs.
De coadjuvante em coadjuvante, cativou diretores e produtores de elenco da Globo. Demorou, mas o estrelato veio.
O sucesso de Thalita Carauta está recheado de representatividade. Trata-se de uma mulher preta e lésbica, saída do subúrbio carioca.
Mauritânia é, sem dúvida, a personagem de novela mais interessante do ano e sua intérprete merece prêmios por trabalho tão bem-feito.