“Não existe triunfo sem perda, não há vitória sem sofrimento, não há liberdade sem sacrifício.” A frase escrita por J. R. R. Tolkien em ‘O Senhor dos Anéis’ serviria de slogan aos participantes mais empenhados de ‘A Grande Conquista’.
O reality show da Record exige uma entrega absoluta a quem ambiciona vencer a competição. Fome, frio, perda de privacidade, condições de higiene impróprias, convivência forçada com perfis hostis e tóxicos e, acima de tudo, a superexposição das próprias fragilidades e falhas, inclusive morais.
Uma imagem do programa mereceu destaque em redes sociais: o competidor Dicesar Ferreira dormindo sentado no chão, entre uma parede e um vaso, na área externa do cenário pobre que reproduz uma vila. Rosto inchado, roupa desconfortável, sob o frio do outono paulistano.
A cena suscitou a comparação com os milhares de moradores de rua de São Paulo que enfrentam situação semelhante ou pior todas as noites. O competidor tinha a opção de montar uma barraca com colchão, porém, acabou naquela situação visualmente degradante. Houve incontáveis manifestações de solidariedade, assim como críticas de quem enxergou uma superexposição forçada para comover o público.
No mundo real, as pessoas em vulnerabilidade social vivem sempre no limite entre dignidade e ultraje, vida e morte. A maioria de nós passa por elas sem enxergá-las nas calçadas ou simplesmente desvia o caminho para não ouvir o apelo por uma esmola. Como já fazem parte da paisagem urbana decadente, não provocam tanta piedade. Não existem, apenas ocupam espaço.
Enquanto isso, nos shows de realidade como o ‘Big Brother’, ‘A Fazenda’ e ‘A Grande Conquista’, a escassez de recursos vira entretenimento. Parte numerosa dos telespectadores se delicia ao ver brigas por comida, leite condensado, cama confortável, chuveiro com água quente e papel higiênico. Tirar tudo isso dos competidores, como no caso de Dicesar, desperta o sadismo no público que se diverte com a desgraça alheia.
“Ah, mas eles aceitaram participar e sabiam o que enfrentariam”, argumentam fãs de realities. Por que alguém se submete voluntariamente a essa tortura diante das câmeras? Não é, certamente, apenas pela ambição de faturar o prêmio minguado de R$ 1 milhão oferecido pela Record.
Todos os candidatos têm noção de que a chance de vitória é mínima. O mais valioso é a chance de se exibir para sair do anonimato ou ficar novamente em evidência na mídia. Fazer da aparição na TV um trampolim à fama, com possíveis ganhos financeiros após a eliminação.
Para isso, não hesitam em passar por apuros e humilhações – e pagar o preço cobrado pelo rótulo pejorativo de ser para sempre um ‘ex-reality’. Às vezes, tentam mais de uma vez, como Dicesar. Em entrevista no ‘Tá no Paredão’, do Terra, em janeiro, ele disse que a Globo “não o abraçou” após o ‘BBB10’. Agora, espera alcançar a apoteose – ou, pelo menos, não ser tão rapidamente descartado – no canal rival.
Por enquanto, seu esforço tem sido pouco visto. Nos primeiros dias, ‘A Grande Conquista’ não chegou a 5 pontos de média no Ibope. O que mais repercutiu dele foi a cena melancólica quando acabou vencido pelo sono. Indiscutivelmente carismático, o artista em busca do sonhado estrelato, conhecido pelo bordão “adooogo”, tem mais a mostrar. Tomara que haja tempo e a edição não queira destacar somente o seu pior.