Como se não bastasse a dor do luto e a revolta com os assassinos, a família de Daniella Perez foi obrigada a lidar com ataques levianos à memória da atriz assassinada aos 22 anos em 28 de dezembro de 1992.
O corpo nem havia sido enterrado e já circulava o boato que a vítima tinha um caso com seu algoz, Guilherme de Pádua, que seria condenado com a então mulher dele, Paula Thomaz, pelo crime.
Três aspectos suscitaram a fofoca. O primeiro foi a frequente confusão que o público fazia – ainda faz, às vezes – entre personagem e ator. Daniella e Guilherme interpretavam o casal Yasmin e Bira em ‘De Corpo e Alma’.
A novela das 21h da Globo, escrita pela mãe da jovem artista, Gloria Perez, era um sucesso e o casal tinha a torcida de parcela numerosa dos telespectadores, apesar de viver uma relação pautada pelo ciúme excessivo do rapaz.
A segunda circunstância para o equívoco partiu do próprio assassino. Em sua confissão na delegacia, ele alegou que Daniella o assediava nos bastidores. Disse que a matou para defender seu casamento e a mulher grávida.
Na série documental ‘Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez’, lançada na HBO Max, vários profissionais da Globo desmentem essa versão e relatam o contrário: era Guilherme quem cercava a atriz a todo momento, a ponto de ela pedir ajuda para não ficar sozinha com o colega de elenco.
A outra situação que levou à disseminação do falso romance foi a cobertura que parte da imprensa fez da tragédia. Capas de revistas mostravam Daniella e Guilherme abraçados e felizes.
As fotos não tinham nada a ver com o teor das matérias a respeito do homicídio hediondo da atriz e levaram pessoas influenciáveis a acreditar que eles formavam um casal também fora da TV.
“Aquelas imagens ali alimentavam a confusão de que o crime tinha sido uma continuidade da trama”, disse Gloria Perez à coluna de Mônica Bergamo na ‘Folha de S. Paulo’.
Houve a união desastrosa da calúnia, da falta de ética jornalística, da suscetibilidade do público em crer sem contestação, da recorrente tentativa de culpar a mulher por sua própria morte em caso de feminicídio e do desrespeito à dignidade da atriz.
Some-se a isso uma dose generosa de machismo e misoginia, mazelas socioculturais do Brasil do passado e do presente, que geralmente tornam a mulher vítima duas vezes, fisicamente e moralmente.
“Me impressiona muito termos que provar a inocência de uma pessoa assassinada com 18 facadas. Tivemos que defender a honra da Dany e provar que ela não tinha tido nada com o assassino”, contou o viúvo, Raul Gazolla, ao jornal ‘O Globo’.
O esforço da família e a percepção da realidade ao longo do tempo reabilitaram a verdade dos fatos e o respeito à memória da vítima. Trinta anos depois, ‘Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez’ reforça o papel exato dos dois lados dessa triste história.