Na peculiar cultura brasileira de classificação e autodeclaração de raça, Roberto Marinho era branco. Mas não suficientemente branco. As novas gerações desconhecem que o fundador da Rede Globo e homem mais poderoso da comunicação nacional por mais de 30 anos sofreu racismo por conta de sua origem miscigenada.
Há mistura de raças na genealogia dos Marinhos: afrodescendentes entre a maioria de portugueses. Por isso, ‘doutor Roberto’ tinha coloração morena. “O Roberto Marinho era de certa forma mulato, o pai dele era de uma pele mais escura, tinha traços negroides como todo o brasileiro”, afirmou Pedro Bial ao portal Último Segundo em dezembro de 2004. Na ocasião, o jornalista e apresentador lançava uma biografia do empresário encomendada pela própria Globo.
Em suas pesquisas para o livro, ele descobriu que Roberto Marinho sofreu recorrentes ataques racistas de adversários na imprensa. “Eram golpes muito baixos, usava-se de uma linguagem surpreendente para a gente hoje em dia. O Chatô o chamou de ‘crioulo alugado’, ‘cafuzo indígena’, ‘africano de 300 anos de senzala’, ‘débil mental sem remédio’”, relatou Bial. Chatô era Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados e da primeira emissora do Brasil, a TV Tupi.
“Mas o Chatô não foi o único dono de jornal que se referia ao Roberto Marinho como mulato ou crioulo”, contou o autor da obra biográfica. Outros rivais nos negócios e nas ideologias faziam referências raciais pejorativas na intenção de ofender Roberto Marinho. Na mesma conversa, Pedro Bial citou possível trauma desenvolvido por essa discriminação.
“Uma curiosidade é que ele até o fim da vida usou pó de arroz. Tem um lado que é o fato de ser um hábito de época, que no início do século os homens ainda se empoavam, mas também pode ser por um certo desconforto com a própria cor. Podia ser um complexo, mas não cheguei a uma conclusão. A Lily acha que é uma coisa de homem de época, o João Roberto acha que podia ser alguma coisa a ver com a cor”, disse. Dona Lily Marinho (1921-2011) foi a terceira mulher do dono da Globo. João Roberto Marinho é um dos três herdeiros.
No Brasil criado a partir da mistura de raças, transformado em nação mais miscigenada do planeta, até o todo-poderoso Roberto Marinho foi alvo de discriminação e sentiu o horror emocional de ser ultrajado por características de sua ascendência. Ele morreu na noite de 6 de agosto de 2003, em consequência de complicações de cirurgia para dissolver um coágulo no pulmão. Tinha 98 anos.
Deixou um legado imensurável como empresário de mídia. Assumiu a direção de O Globo ainda jovem, após a morte abrupta de seu pai, e o transformou em um dos jornais mais lidos do País. Aos 60 anos, idade em que a maioria das pessoas está focada na aposentadoria, ousou ao inaugurar a TV Globo. Em pouco tempo, a emissora se tornou o veículo de comunicação mais influente do Brasil e seu fundador garantiu espaço na galeria de grandes homens do século 20.