Às 15h do dia 16 de outubro de 1993, Michael Jackson entrou no quarto 123 do Hospital Anchieta, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, para visitar Márcio de Paula, o estudante de 15 anos que havia sido atropelado por um veículo da comitiva do cantor dois dias antes.
Começava ali um novo capítulo na vida do adolescente. Márcio ganhou fama instantânea no Brasil e na imprensa internacional. O rótulo de ‘garoto atropelado por Michael Jackson’ se tornou indissociável. Até hoje, convive com as ‘lendas’ geradas por aquele episódio.
O blog conversou com o jornalista. Ele está de volta ao Brasil após morar alguns anos no México. Sereno, Márcio não se tornou refém da própria história. Lida bem com a visibilidade que Michael Jackson gerou em sua vida – e não se aborrece por ainda ser reconhecido como o fã brasileiro que mais contato teve com o rei do pop, morto em junho de 2009, aos 50 anos.
Vinte e cinco anos depois, quais sensações ao rememorar aquele episódio?
Eu nem tenho dimensão de todo esse tempo que passou. Penso ‘meu Deus, já faz tudo isso?’. Parece que foi ontem. Algumas coisas ficaram muito frescas na minha memória. Outra parte meu cérebro deletou por conta do trauma. Lembro bem do exato momento do acidente. Tive fratura exposta do fêmur direito. Passei por uma cirurgia para colocação de uma haste. Eu era só um adolescente. Do dia para a noite, virei o foco das atenções.
Sofreu alguma sequela?
Não. Fui muito bem tratado por médicos extremamente competentes. Após a cirurgia, fiz fisioterapia.
Acha que foi coisa do destino?
Às vezes, sim. Às vezes penso que simplesmente tinha que acontecer. Havia muita gente lá. Já me questionei bastante: ‘Por que eu? Por que tinha que ser comigo?’. Mas parei. É perda de tempo. Tornou-se parte da minha história, da minha vida. O curioso é que tanto tempo depois, as pessoas ainda querem saber sobre o que aconteceu.
Na época, compreendeu a fama instantânea?
Não tive noção. As coisas eram muito diferentes do que são hoje. Agora temos internet, redes sociais, todo mundo busca ficar famoso. Eu sabia que tinha ficado conhecido, mas sem a dimensão da fama. O acidente era presente na memória das pessoas. Quando eu saía à rua, muita gente sabia quem eu era. Na escola, eu não ia para o intervalo porque minha vida virava um inferno. Tive que ir para um colégio particular com poucos alunos na classe. Deixei de ser o Márcio, virei ‘o garoto atropelado pelo Michael Jackson’. Mas só tive consciência do tamanho da popularidade quando a imprensa norte-americana passou a vir ao Brasil para me entrevistar.
Michael Jackson teria completado 60 anos em 29 de agosto. Acha que ele ainda estaria em evidência?
Sim, não tenho dúvida. É, de fato, uma lenda. Hoje, o pop apresenta uma influência direta do Michael. Ele continua muito presente. Passou a ser ainda mais valorizado após sua morte. Se estivesse vivo, atrairia a atenção de todos. Era mais do que um cantor: um excelente dançarino, compositor, um artista completo. Essa nova geração não acompanhou o que eu acompanhei. Lembro do lançamento do clipe de ‘Thriller’. Aquilo foi uma explosão. Pessoas da minha geração, e das gerações anteriores, têm melhor dimensão do que foi Michael Jackson. Mas os jovens de hoje também gostam. Noto que ele virou cult.
A morte dele impactou sua vida?
Fiquei triste e surpreso. Imediatamente, a mídia voltou a me procurar para saber mais daquele contato direto que tive com o Michael.
Vocês se encontraram outras vezes?
Depois de deixar o Brasil, Michael Jackson fez uma ligação para saber se estava tudo bem comigo. Foi um gesto humano. Nada além disso. Naquela época, as pessoas imaginavam que eu tinha muito contato. Houve distorção. Pensavam que eu tinha me jogado de propósito na frente do carro, que depois ele tinha me levado para Neverland (o rancho do artista, na Califórnia). Chegaram a dizer que eu mantinha um caso com o Michael Jackson, que ele havia me molestado. Passaram a dar uma conotação sexual à história. Falaram até que eu tinha ficado milionário. Tudo o que eu tenho é fruto do meu trabalho como jornalista, não ganhei nada. Muita gente acredita nessas versões absurdas até hoje. Uma grande tolice. Nem adianta tentar explicar, porque certas pessoas já têm suas ‘verdades’. Eu sou Márcio de Paula, um bom profissional que faz aco ntecer, não sou apenas o ‘garoto atropelado pelo Michael Jackson’.
Ainda é fã?
Vou confessar uma coisa: nunca fui fã do Michael Jackson. Na realidade, eu estava lá, no meio daquela confusão, por simples curiosidade. A comitiva dele se perdeu em frente da minha casa. Eles estavam à procura da antiga fábrica de brinquedos Estrela. Todo o pessoal do bairro saiu à rua para vê-lo, e eu fui também. Saiu no jornal ‘Fã se joga na frente do carro para ver o ídolo’. Não foi verdade. O que aconteceu foi mesmo um acidente, outras pessoas foram atropeladas com menos gravidade, há vídeos. A partir do atropelamento, as pessoas passaram a achar que eu era o fã número 1 do Michael. Sempre que alguém ia me presentear, me dava coisas dele. Associavam a minha imagem à do Michael. E eu dizia: ‘Não sou fã’.
Aquele episódio influenciou sua escolha profissional?
Sou jornalista, redator e relações-públicas. Provavelmente peguei gosto por essa área porque minha casa vivia cheia de jornalistas.
Chegou a pensar em seguir carreira artística?
Todos nós, da comunicação, somos um pouco artistas. Mas sou uma pessoa de bastidores. Acontece que, por conta da profissão, estou sempre na linha de frente. Na verdade, sou bastante tímido. O que é contraditório, já que adoro me comunicar. Muita gente diz que eu deveria lançar um canal no YouTube. Simplesmente abrir a câmera e começar a falar. Não vai acontecer. Sou extremamente exigente, crítico comigo mesmo. Já tem de tudo na plataforma.