Após o sucesso do remake de ‘Pantanal’ (média de 30 pontos no Ibope), o autor Bruno Luperi se dedica à adaptação de outra novela histórica de seu avô, Benedito Ruy Barbosa. Exibida em 1993, ‘Renascer’ ganhará nova versão. No ar na faixa das 21h em 2024 ou 2025.
Um dos destaques da trama é Buba. A personagem interpretada por Maria Luisa Mendonça mexeu com o imaginário popular. Na época, ela foi apresentada como hermafrodita. Esse termo foi substituído por pessoa intersexo.
Segundo a ABRAI (Associação Brasileira de Intersexos), a condição é definida por “características sexuais congênitas, não se enquadrando nas normas médicas e sociais para corpos femininos ou masculinos”. Há diferentes composições dentro da intersexualidade.
No folhetim, Buba foi designada menino ao nascer. Recebeu o nome Alcides. Na puberdade, seu corpo passou a desenvolver características femininas – fica subentendido que possui genitália ambígua. Ela decidiu se declarar mulher, sendo rejeitada pela família conservadora.
Vira amante de José Venâncio (Taumaturgo Ferreira). Inicialmente, ele pensa se tratar de uma travesti. Depois, ao ouvir a explicação médica, compreende não ser possível enquadrá-la na visão binária homem/mulher, porém, ainda externa preconceito.
Em uma cena do sétimo capítulo, o herdeiro de Zé Inocêncio (Antônio Fagundes) chega a dizer que assumiria Buba como esposa se ela fosse “mulher de verdade”, ressaltando a dificuldade coletiva – embalada em desconhecimento e preconceito – de aceitar 100% os intersexos.
“Mas eu sou mulher, Zé”, reclama a moça. “É claro que eu sei. Você é o que chamam de pseudo-hermafrodita feminino, ou seja, um falso hermafrodita”, se corrige Venâncio. “Eu nunca entendi por que você nunca operou se essa era a solução.”
Buba relembra o drama. “... eu achava que eu era menino, aliás, todo mundo achava. Sei lá, eu tive medo, uma sensação de castração”, explica. Ao longo de ‘Renascer’, ela vive atormentada com medo de ser vista como um homem. Desenvolve obsessão em experimentar a maternidade, por meio de adoção, a fim de se confirmar publicamente como mulher.
Imagine o Brasil de 30 anos atrás, com menos acesso a fontes de pesquisa e restrito espaço na mídia para a discussão de questões de gênero e sexualidade distantes da heteronormalidade. A presença de Buba em novela do horário nobre deu um nó na cabeça de muita gente.
Parte da imprensa contribuiu para confundir e estereotipar ao invés de oferecer informação de qualidade. Uma matéria de ‘Veja’ chegou a definir a condição da personagem como “aberração” e insinuou que a Globo desejava influenciar o comportamento sexual do telespectador.
Artigo acadêmico do grupo Cultura e Sexualidade, vinculado ao Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da Universidade Federal da Bahia (UFBa) abordou a introdução da intersexualidade na teledramaturgia da Globo e o desserviço de alguns formadores de opinião com visão desrespeitosa sobre a pessoa intersexo.
“O grau de preconceito da revista (‘Veja’) dá o tom do modo como a intersexualidade é geralmente tratada: algo irreal, não-saudável, sujo”, diz trecho. A conclusão aborda um problema ainda explícito hoje em dia. “O corpo feminino com um pênis é algo inaceitável em nossa sociedade, por conta disso travestis são assassinados diariamente. Um corpo feminino com genitálias de ambos os sexos parece algo menos inteligível ainda.”
Não sabemos se a nova versão de ‘Renascer’ vai manter a história de Buba intacta ou fará mudanças. A emissora ainda não definiu o elenco. Prevê-se pressão social para que a jovem seja interpretada por uma atriz intersexo, seguindo a nova ordem de escalar atores de acordo com a identidade de gênero dos personagens.
Recentemente, em seu canal no YouTube, a influenciadora de maquiagem Karen Bachini revelou ser intersexo. “É uma coisa que você precisa entender, aceitar e buscar a sua história”, afirma.
“Categorizando num termo geral para as pessoas entenderem, eu sou pseudo-hermafrodita feminina, onde tenho as genitais e os órgãos internos, mas não possuo qualquer tipo de hormônio.”
Em longo depoimento, ela explica que precisa tomar hormônios femininos e masculinos regularmente para se sentir bem em seu próprio corpo. Sem isso, perde características físicas femininas e a libido.
“Acho que falta só me aceitar, mas é muito difícil. Quando você começa a entender que existe uma parte que é mulher e outra que é homem, a visão de tudo muda, e não achei que fosse ser assim”, diz Karen.