“Ela é uma macaca!”: nova novela do Viva expõe racismo que não deve ser apagado

Insultos contra personagem de Zezé Motta seriam proibidos hoje, mas não podem ser censurados para atender ao politicamente correto

5 jul 2024 - 10h37
(atualizado às 10h40)

Em ‘Corpo a Corpo’, ao ser informada de que o homem que deseja ter como genro está namorando a arquiteta negra Sônia (Zezé Motta), a vilã Lúcia (Joana Fomm) se revela uma abominável racista. 

“Ela é uma macaca!”, grita. “Ele não pode se apaixonar por uma macaca. Já viu o nariz dela, aquele cabelo de bico?” Em outros momentos, a personagem também usa o termo ‘crioula’, bastante comum ao longo de séculos, e diz que irá mandá-la “para o tronco”, em alusão aos pretos escravizados. (Assista à cena ao final do texto.)

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Reprisada pela primeira vez desde a exibição original, entre novembro de 1984 e junho do ano seguinte, na faixa das 20h, ‘Corpo a Corpo’ tocou na ferida do preconceito contra o negro bem-sucedido e a relação inter-racial. 

Espera-se que o canal Viva, onde a novela está sendo transmitida às 14h50 e no início da madrugada desde junho, não elimine na edição os xingamentos racistas. Fazem parte do retrato de um tempo. 

O choque que provocam hoje é benéfico à luta diuturna contra a discriminação, assim como trechos ofensivos de livros antigos precisam ser mantidos para reflexão e conscientização sob a ótica contemporânea. 

Pasteurizar obras literárias e audiovisuais com flagrante racismo não vai diminuir a incidência de humilhação contra pretos e pardos. Ao contrário: enfraquece o histórico vergonhoso que precisa ser conhecido pelas novas e futuras gerações. 

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Escrita por autores brancos – Gilberto Braga e Leonor Bassères – obstinados em denunciar o problema, ‘Corpo a Corpo’ fez Zezé Motta sofrer incontáveis ataques de telespectadores revoltados em assistir a uma negra beijar a boca de um branco, Cláudio (Marcos Paulo). Um homem chegou a dizer à atriz que, se fosse seu companheiro de cena, lavaria a boca com água sanitária. 

Ainda que o racismo continue a brotar todos os dias no Brasil, o relacionamento inter-racial passou a ser aceito – ou suportado – pelo público das novelas. Os xingamentos de Lúcia contra Sônia são impensáveis em uma trama atual, mesmo para denunciar o racismo. A patrulha do politicamente correto e o medo de cancelamento deixaram os dramaturgos menos ousados. 

Ironicamente, o controverso termo ‘fogo nos racistas’ se materializa no final da personagem desprezível em ‘Corpo a Corpo’. Lúcia morre queimada em um incêndio provocado por ela mesma. Outro racista da novela, o milionário Alfredo (Hugo Carvana), pai de Cláudio, sofre um acidente e acaba salvo da morte pelo ‘sangue negro’ que ele não queria em sua família, doado por Sônia no hospital.

Relacionamento inter-racial de Sônia (Zezé Motta) e Cláudio (Marcos Paulo) gerou onda de ódio racista contra a atriz
Relacionamento inter-racial de Sônia (Zezé Motta) e Cláudio (Marcos Paulo) gerou onda de ódio racista contra a atriz
Foto: Reprodução
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