Os olhos atentos e o humor fino de Zezé Polessa ficam ainda mais aguçados ao falar dos exageros e impropérios de sua personagem em Império. Na pele da oportunista Magnólia, a atriz diz que pode experimentar a tragicomédia de forma mais realista. E mesmo sendo um retrato ficcional, acredita que existem muitas Magnólias à solta. "Ela é a representação do ser humano que quer se dar bem à custa dos outros e sem esforço algum. Vale incentivar o filho a lucrar com o corpo, usar a filha para a arrancar dinheiro de alguém e se fazer de coitada para sair por cima. Ela vive no limite do absurdo", conceitua.
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A complexidade da personagem aumenta o prazer com que Zezé lê e estuda o texto de Império. A cada novo bloco de roteiro, ela se mostra curiosa para saber por qual caminho Aguinaldo Silva levará a família de Severo, papel de Tato Gabus Mendes. "Algumas cenas estão sendo cortadas, mas espero que Aguinaldo mantenha sua ideia inicial. Falta esse tipo de crítica e ironia na tevê", destaca.
Carioca, formada em Medicina, mas totalmente voltada para as Artes Cênicas, em boa forma aos 60 anos, Zezé se orgulha da versatilidade e autonomia que conquistou ao longo da carreira. "Acho muito legal ter sempre algum convite interessante e poder negociar de forma tranquila com a empresa", afirma. Na Globo desde Top Model, de 1989, a atriz sempre se manteve longe das vaidades da carreira e próxima de sua base, o teatro. Assim que "Império" chegar ao fim, ela volta a rodar o Brasil com sua premiada versão de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, onde também atua como produtora. "Neste momento, não seria legal acumular coisas. Tenho gravado demais e estou gostando muito da resposta da trama. Estranhamente, a Magnólia tem um grande apelo popular", ressalta.
Dentro da trama de Império, sua personagem serve tanto para alívio cômico como para cenas mais densas. Você acha que, apesar dos exageros de uma novela, Magnólia é uma mulher possível?
Minha personagem é uma sobrevivente. Ela tem um lado cômico sim, mas ele é carregado de um amargor, de um sofrimento. O riso dela vem da humilhação, de não querer fazer nada, de praticamente "vender" os filhos. Magnólia e Severo, em meio à ideia de que os pais servem para suprir as necessidades dos filhos, vão pela contramão. Durante a minha preparação, fiquei sabendo de histórias absurdas que me provam que, mesmo Aguinaldo pesando um pouco a mão, minha personagem é verossímil.
Qual história mais a chocou?
A de uma mulher que foi, por anos, amante de um mesmo homem. Ao envelhecer, o homem falou para essa mulher que queria uma amante mais nova. O que ela fez? Ofereceu a filha de 17 anos para ele. Aquele homem sustentava a casa e pagou estudos da menina, fruto de um relacionamento anterior dela. A mulher achou que era hora de retribuir. Portanto, essas situações extremamente complexas acontecem mais do que a gente imagina.
Além de buscar histórias e participar do "workshop" de preparação para a novela, que outros recursos você utilizou na construção de sua atual personagem?
Magnólia exige muito da sensibilidade na hora de gravar. O texto do Aguinaldo é tão completo, com marcações tão bem definidas, que a emoção e a intenção dele ao escrever as cenas são bem fáceis de passar. Então, busco minhas referências, mas o ponto mais importante para interpretar a Magnólia vem da minha intuição e do bom texto que o autor entrega.
A Globo está de olho em alguns núcleos de Império, cortando ou amenizando algumas sequências. O seu núcleo, por conta dos diálogos pesados, é um dos prejudicados. Como encara isso?
Acho que a novela é da Globo e a direção tem todo o direito de cuidar como quiser do produto. No entanto, há de se ter bom senso e levar em conta que estamos no âmbito da ficção e que, por razões artísticas, uma obra não pode ser ceifada dessa maneira. Não sei qual o processo que leva ao corte, mas acho uma lástima isso acontecer. Algumas pessoas se sentem incomodadas e quem paga é todo o público, que esperava ver aquela história ganhar forma de acordo com o que estava previsto.
Você consegue perceber os cortes ao assistir suas cenas?
Sim, já deu para notar. É uma pena, pois Império é uma novela maravilhosa. Já trabalhei com o Aguinaldo em Porto dos Milagres e acho que ele mudou totalmente sua maneira de conceber o texto. Antes já era muito bom, mas agora está extremamente sofisticado.
Você estava cotada para um papel de destaque em Joia Rara, mas teve de deixar o elenco por conta de compromissos no teatro. Como negocia esses imprevistos com a emissora?
Minha vontade em participar de Joia Rara era grande. Até porque Cordel Encantado foi uma das novelas mais gostosas que já fiz na Globo. Uma experiência leve e rica ao mesmo tempo. Porém, eu já estava trabalhando na montagem de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Mas achei que fosse ter como conciliar. Quando vi o peso da personagem em Joia Rara, vi que seria impossível. Liguei para a Amora e pedi para ela me liberar. Gentilmente, ela me liberou da novela, mas me comprometi a participar de qualquer próxima produção dirigida por ela. Não vou poder recusar (risos).
Ficou satisfeita com a escalação para Império?
Bastante. E há algum tempo eu não tinha uma personagem de caráter mais popular. Acho isso muito engraçado. Até porque a Magnólia passa longe do politicamente correto, mas, por conta do tom dado pelo autor, acaba caindo no gosto popular. É um trabalho menos choroso do que fiz em Salve Jorge. Então, além de ser um trabalho gostoso de ser feito, ainda consigo fazer algo bem diferente do que já fiz.
Muitos atores buscam o teatro para satisfazer suas aspirações mais artísticas e ter autonomia. Você, inclusive, é produtora de suas últimas peças. É dessa forma que consegue ter as rédeas da sua trajetória?
É um pouco de cada. Acho legal ver um projeto meu e da minha equipe chegar ao público, mas a burocracia e o preço de se fazer teatro no Brasil ainda são desestimulantes. Por exemplo, eu perdi dinheiro fazendo Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, mas é uma peça tão boa de se fazer, um texto que vale tanto ser montado, que isso não chega a me importar tanto. Quero entreter o público, mas também fazê-lo pensar. Isso me motiva. É questão de experiência, um dia eu aprendo a produzir e também ganhar dinheiro (risos).
Você está com 60 anos e muitas atrizes da sua idade reclamam da falta de boas personagens. Na contramão disso, você acumula bons trabalhos em tramas como Escrito nas Estrelas, Cordel Encantado e Império. A que atribui esses convites frequentes?
Esse fato me deixa muito feliz. Quando todo mundo ficou me conhecendo, há mais de 20 anos, em Top Model, eu tinha muito receio de como dar continuidade à minha carreira de forma legal, fazendo projetos interessantes, nos quais eu estivesse realmente envolvida com o trabalho. Acho que essa minha entrega a cada personagem que chega faz com que outros apareçam. Adoro fazer tevê, mas nunca esqueci do teatro ou do cinema, onde outro tipo de público pode conhecer meu trabalho. Busco esse equilíbrio e acho que está dando muito certo.
Este ano, Top Model completa 25 anos de exibição e a Naná ainda é uma personagem de forte popularidade dentro da sua carreira. Qual a principal lembrança que você tem desse primeiro trabalho na Globo?
Gravar Top Model era uma festa. A Globo não era essa gigante que é hoje em termos de tecnologia, as novelas eram menos dinâmicas e, mesmo assim, eu me sentia perdida. Revi algumas cenas da novela na reprise feita pelo (canal) Viva e, apesar das diferenças na minha pele, me diverti com o que vi (risos).
Na diversidade
Flertar com a comédia é uma constante na carreira de Zezé Polessa. Em sua estreia na Globo, com a Naná de Top Model, de 1989, ela pôde mostrar seu "timing" para o humor. Algo que se solidificou com trabalhos como Salsa & Merengue e Porto dos Milagres. "Gosto de dar vida a mulheres fortes e a comédia me dá a possibilidade de ousar e brincar mais dentro da trama, seja com a caracterização ou com o figurino", acredita.
No entanto, entre um trabalho leve e outro, Zezé já acumula vilãs e personagens dramáticas do porte de Firma, de Memorial de Maria Moura, e Ester, vilã de A Lua Me Disse. "Acho engraçado como as vilãs fascinam o público. Embora sejam personagens que me deixam muito cansada ao final das gravações, assumo que é bacana lidar com esse tipo de papel", valoriza.
"Ponta" afetiva
Por conta da apertada rotina de gravações de Império, Zezé Polessa decidiu adiar um pouco sua volta ao teatro. No entanto, a convite da produção da comédia Desculpe O Transtorno, de Tomas Portella, ela vai filmar uma pequena participação no filme protagonizado por Gregório Duvivier e Clarice Falcão. "Adoro estar perto do 'novo'. Li o roteiro do filme e quis muito participar. Gravo apenas um dia, é só uma participação afetiva, mas prazerosa", conta.