Quem circula pela cidade de São Paulo já viu em muros e prédios as pichações "Mais amor, por favor" e "O amor é importante, porra". Este mesmo tipo de mensagem, em palavras mais adocicadas, foi a tônica de Joia Rara, que chegou ao fim ontem, sexta-feira (4). Ao longo da novela, as autoras Duca Rachid e Thelma Guedes abordaram o amor usando o melodrama: rios de lágrimas, excesso de vilanice, overdose de ingenuidade.
O desfecho não foi menos exagerado: os personagens principais evocaram o amor como redenção para tudo e todos. Doente de paixão por Ernest (José de Abreu), Gertrude (Ana Lúcia Torre) assumiu ter envenenado a rival Catarina, mulher do milionário, e recebeu voz de prisão. A personagem saiu de cena discretamente. Responsável por ótimos momentos da trama, a atriz Ana Lucia Torre merecia ter tido um 'grand finale'.
Se existe tendência em teledramaturgia, assim como há na moda, Joia Raia comprova o modismo da condescendência dos autores com seus vilões. Monstruoso na maior parte da novela, Ernest se arrependeu dos pecados e foi facilmente perdoado, assim como Carminha (Avenida Brasil) e Félix (Amor à Vida).
A morte serena do empresário foi apresentada como um prêmio pelo arrependimento das maldades. "Ele cumpriu sua missão: conhecer o amor", explicou a iluminada Pérola (Mel Maia), que entoou um mantra para ajudá-lo a partir. Num recurso manjado, a voz de Ernest foi ouvida durante a leitura do testamento, na presença da família: "O amor é a maior herança que deixo a vocês".
O grande vilão da história, Manfred (Carmo Dalla Vecchia), enlouqueceu de vez e morreu baleado no dia anterior. Mas não deixou de ter sua redenção certificada no último capítulo: "ele sofreu muito nesta vida por não ter encontrado o amor", pregou a garotinha.
O final da novela teve ainda vários casamentos e uma performance das divas Aurora (Mariana Ximenes) e Lola (Letícia Spiller) no Cabaré Pacheco Leão. Elas dublaram uma versão de Aquarela do Brasil. Boa parte do elenco estava na plateia. O show acabou com todos sambando — até a comportada Pérola brincou de passista.
O capítulo contou com a participação especial de Gloria Menezes. A atriz, de 79 anos, interpretou Pérola nos dias atuais: uma monja radicada há décadas no Nepal. Careca e usando trajes típicos, ela relatou o destino dos principais personagens ao escritor de sua biografia, vivido por Mouhamed Harfouch, também em participação extra.
A sequência final da novela aconteceu em um utópico 'Congresso Paz entre os Povos'. O discurso da sábia Pérola relembrou episódios de guerra e dor, com a exibição de imagens do líder nazista Adolf Hitler e do atentado terrorista às torres do World Trade Center, em Nova York. Quando a monja fez uma convocação em nome da paz, surgiram no vídeo os rostos de pacifistas como Ghandi, Martin Luther King e Madre Teresa de Calcutá. A conclusão do discurso foi uma frase-clichê, bastante representativa do tom emocional da trama: "O amor é a verdadeira joia rara da vida".
Com produção impecável, elenco afinado e direção segura, a novela cumpriu a missão de entreter. Não foi um sucesso de audiência nem teve a mesma repercussão do trabalho anterior das autoras, Cordel Encantado (2011). Mas serviu, entre outras coisas, para comprovar que Mel Maia já é — permitam-me outro clichê — um diamante lapidado.
Numa sociedade na qual boa parte das crianças é obcecada em conquistar fama na TV e se comporta equivocadamente como adulto, a atriz revelada em Avenida Brasil mostra que é possível desenvolver o talento com naturalidade, sem atropelar as etapas da infância. "Ela (Mel Maia) deve ser a reencarnação da Cacilda Becker", brincou o ator José de Abreu, no Encontro com Fátima Bernardes de sexta-feira, citando uma das maiores atrizes do país, morta aos 47 anos em 1969.