Trans, ator Bernardo de Assis dá beijo histórico na Globo

Personagem Catatau desperta a paixão na cis Renatinha na novela 'Salve-se Quem Puder'

11 jul 2021 - 10h30

Influente na casa de milhões de brasileiros, a teledramaturgia desempenha papel valioso no enfrentamento da homotransfobia. Por meio de tramas e personagens, o telespectador recebe informações sobre diversidade sexual. Estimula-se a conscientização e, consequentemente, o exercício da tolerância.

Bernardo de Assis se torna uma referência de artista trans na teledramaturgia
Bernardo de Assis se torna uma referência de artista trans na teledramaturgia
Foto: Bruno Matteo/Divulgação e Reprodução/Instagram/@bedeassis (Fotomontagem: Blog Sala de TV)

Os capítulos finais da novela das 19h da Globo, 'Salve-se Quem Puder', apresentarão um momento que se tornará memorável: o primeiro beijo na boca entre um homem transexual e uma mulher cis – tanto os personagens quanto os atores que os interpretam têm essas identidades de gênero.

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Estreante em novelas, Bernardo de Assis vê sua transexualidade contribuir com o ativismo contra a transfobia. O artista, de 26 anos, sofreu rejeição familiar ao se declarar homem trans. Chegou a morar um tempo na rua até receber apoio em casas de acolhimento.

Estar no horário nobre da maior emissora do País em um papel tão relevante, no momento em que há recrudescimento da discriminação aos LGBTQIA+, faz dele um símbolo de superação e resistência. Mas há o efeito colateral: virou alvo de hostilidade e intimidação. O ator conversou com o blog.

Catatau (Bernardo de Assis) e Renatinha (Juliana Alves) em cena de 'Salve-se Quem Puder': o amor rompe a barreira do preconceito
Foto: Reprodução/TV Globo

A divulgação da cena de beijo de seu personagem em ‘Salve-se Quem Puder’ gerou uma onda de ataques transfóbicos. O que sentiu ao se ver odiado e ameaçado?

Não fiquei surpreso, mas nem de longe estava preparado para ler tantas coisas absurdas. Acabei ficando bem mal, mas logo depois decidi focar nas mensagens de apoio e carinho.

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Como homem trans e figura pública, você previa se tornar alvo de preconceito e ameaças à sua vida?

Enquanto pessoa LGBTI+, sempre estive alerta e em estado de atenção constante. A visibilidade só reforçou sentimentos e práticas que sempre fizeram parte da minha vida.

Você tem passabilidade (aparência compatível com a identidade de gênero), isso facilita?

Sem dúvidas, a passabilidade me traz algum conforto, mas como minha masculinidade não é cisheteronormativa, acabo sofrendo outros tipos de opressão. Infelizmente já passei por situações discriminatórias, antes e depois da transição.

Como foi a gravação da cena do beijo? Ficou tímido ou nervoso?

Eu já havia feito cenas parecidas em outros trabalhos. Mas por se tratar da minha primeira novela, foi uma sensação nova para mim. Fiquei nervoso por saber da importância da cena, mas assim como em todas as outras, respirei e foquei em fazer o meu trabalho da melhor forma. Repetimos algumas vezes por conta de todos os protocolos de segurança e estou bem ansioso para assistir.

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Como foi a interação com sua colega de cena, Juliana Alves?

Eu e Juliana conversamos muito sobre nossos personagens e sempre foi uma relação de respeito e admiração. Nós dois sabemos da importância de Catatau e Renatinha.

Na sua avaliação, qual a importância desse beijo para a comunidade LGBTQIA+ e, especialmente, os transexuais?

É uma nova porta que se abre. É a constatação de que nós merecemos amor e podemos cultivar relações de afeto.

Muitos trans reclamam por se sentir discriminados dentro da comunidade LGBTQIA+, que privilegiaria os homens cis gays. Concorda?

Pessoas transmasculinas sempre foram invisibilizadas e continuam sendo até hoje. Somos deixados de fora de debates políticos, por exemplo, e isso faz com que outros recortes acabem assumindo um maior protagonismo. Felizmente, organizações e coletivos de homens trans e pessoas transmasculinas estão se unindo cada vez mais para somar forças, dando luz às nossas pautas e demandas.

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Ser um homem trans com visibilidade na Globo deixa sua vida mais fácil ou gera complicações? A fama faz a pessoa transexual ser mais aceita socialmente?

Honestamente, não consigo responder isso no momento. Não enquanto o nosso “socialmente” ainda passar pelo isolamento. Claro que algumas oportunidades surgem por conta da visibilidade, mas outras acabam indo embora pelo mesmo motivo. Independentemente do contexto, a pessoa trans geralmente é a pessoa preterida.

Por ser um artista e estar na TV, você recebe muito assédio nas redes sociais?

Recebo bastante, mas tento levar o assunto com leveza.

Como lida com a fetichização de seu corpo por parte de quem o aborda com mera curiosidade sexual?

Eu ignoro (risos). Já fui de dar longas respostas, explicando o quão insensível e errado isso é, mas chega uma hora que cansa. Hoje eu consigo perceber de onde parte a intenção da pessoa e isso faz com que, caso venha da curiosidade, eu não dê tanta atenção.

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Sua meta é interpretar personagens cis ou prefere dar vida a personagens trans, como você?

Minha meta é interpretar, seja qual for o personagem. Além de trans, sou artista. E espero que no futuro outras oportunidades apareçam. Mas, por enquanto, reconheço a importância de representar papéis trans. Me sinto honrado de poder ser uma referência.

Personagens trans da ficção, como o Ivan de ‘A Força do Querer’, entre outros, inspiraram você em sua fase de transição?

Minha grande inspiração – e acredito que para tantas outras pessoas – foi João W. Nery (psicólogo e ativista; primeiro homem trans a passar pela cirurgia de redesignação sexual no Brasil). Mas na ficção não tive nenhuma referência de personagens trans que não fossem interpretados por atrizes cis.

Qual o seu conselho a um jovem que, neste momento, está determinado a se declarar publicamente transexual e iniciar a transição?

Viver a sua verdade é o maior ato de amor que possa existir. Por isso, acredite na sua coragem, na sua força e saiba que você não está sozinho!

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