Homens poderosos se irritam facilmente com perguntas incômodas. Principalmente quando são feitas por jornalistas mulheres. Um caso exemplar aconteceu em outubro de 2021, em um evento sobre energia em Moscou.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, perdeu a paciência ao ser repetidamente questionado pela âncora Hadley Gamble, do canal americano CNBC, a respeito do fornecimento de gás russo aos principais Países da Europa.
Para tentar desarmá-la, Putin se dirigiu à plateia que acompanhava a entrevista e tentou ser engraçado. “Mulher bonita, muito bonita... Estou dizendo uma coisa a ela. Ela instantaneamente me diz o contrário, como se não tivesse ouvido o que eu falei”, declarou. “Eu realmente disse algo tão difícil de entender?”
Muitos riram da velha anedota machista que associa a beleza feminina à baixa intelectualidade. Mais uma vez, o presidente russo reforçou a imagem de ‘hétero top raiz’ da qual se orgulha e que faz parte da propaganda de seu estilo truculento de governar.
Mesmo constrangida, a jornalista, de 40 anos, não deixou de confrontá-lo. No dia seguinte, postou nas redes sociais a página de um jornal local com matéria sobre a entrevista. A foto escolhida não mostrava o rosto dela, e sim suas longas pernas. “Meu melhor ângulo”, debochou Hadley, que usou a hashtag em inglês #feminism.
O pior veio a seguir: a imprensa oficial e os veículos de comunicação submissos ao governo plantaram uma fake news inacreditável. A âncora teria sido escalada para “seduzir” Vladimir Putin durante a entrevista. O objetivo seria mostrá-lo como ‘predador’ diante das câmeras.
“Hadley se comportou com ousadia, se posicionou abertamente como objeto sexual, sem medo de ser criticada pelas feministas”, disse o apresentador Dmitry Kiselyov em telejornal do canal estatal Rossiya 1 News. A mídia americana reagiu contra a versão fantasiosa dos fatos.
Aquele ensaio de escândalo internacional deixou Hadley Gamble ainda mais popular na TV. Usar vestidos curtos que deixam as pernas em evidência é seu figurino frequente. Bonita e carismática, ela desafia quem pensa que uma jornalista não pode ser vaidosa nem provocativa. Eis a velha questão em qualquer País ou sociedade: a mulher precisa anular sua sensualidade em nome da credibilidade?