“Dentro de mim, no entanto, tenho algo que supera a aparência. Todo o resto é adorno, enfeite da dor”, escreveu Shakespeare em sua peça mais famosa, ‘Hamlet’, sobre uma sangrenta disputa de poder.
A frase se aplica ao magnata Charlie Croker (Jeff Daniels), protagonista de ‘Um Homem por Inteiro’, minissérie em 6 episódios da Netflix, baseada em romance de Tom Wolfe, autor que soube como poucos esquartejar a farsa atrás das aparências de ricos e famosos.
O empresário que “construiu Atlanta” se vê, de repente, à beira de falência e sendo humilhado por dois burocratas sádicos de um banco. O império que o tornou poderoso se revela frágil, assim como seu corpo cansado. A realidade sobre as finanças e um joelho latejante enfraquecem o homem que parecia imbatível.
“Um Homem por Inteiro” mostra um personagem fictício que existe aos montes na vida real: a celebridade refém das aparências que criou. Não é tão rica quanto diz, tampouco feliz como demonstra nas redes sociais. Virou caricatura de si mesma. Dependente emocional dos aplausos e do luxo ostentatório, afunda-se cada vez mais em mentiras.
Após o vazamento da notícia de sua dívida bilionária, Charlie passa a correr atrás de um salvador da Pátria enquanto experimenta o sabor amargo do desprezo daqueles que até ontem o bajulavam. A obra ressalta a pequena distância entre o auge e a decadência, o sucesso e o fracasso, o domínio e o descontrole da própria existência.
Um dos antagonistas é o bancário Raymond (Tom Pelphrey). Sentindo-se um perdido na vida, ele desenvolve obsessão em derrubar Croker, como uma vingança pessoal contra um típico ‘self-made-man’ norte-americano.
Ele protagoniza a cena mais polêmica da minissérie: um nu com pênis avantajado apontado para seu desafeto, como se fosse uma arma potente que impressiona o inimigo. O ator usou uma prótese de látex bastante verossímil. A genitália fake repercutiu tanto que ofuscou o resto de “Um Homem Por Inteiro”.
A produção com alguns episódios dirigidos pela atriz ganhadora do Oscar Regina King vale ser vista pelas provocações lançadas ao debochar dos figurões iludidos com o poder. Jeff Daniels deita e rola no papel de Croker, oscilando rapidamente do drama ao humor, do cinismo à humanidade. Uma mistura de anti-herói e adorável vilão.