Por que as novelas perderam o poder de influenciar a moda

Estilista e consultor Márcio Ito analisa as mudanças ocorridas desde o copiado visual da vilã Carminha de ‘Avenida Brasil’

11 dez 2021 - 15h05
Chiques e bregas, personagens de novela influenciaram o gosto da brasileira por moda
Chiques e bregas, personagens de novela influenciaram o gosto da brasileira por moda
Foto: Fotomontagem: Blog Sala de TV

As meias de lurex usadas por Julia Matos (Sonia Braga) em ‘Dancin’ Days’ (1978), os turbantes da Viúva Porcina (Regina Duarte) em ‘Roque Santeiro’ (1986), os looks góticos de Natasha em ‘Vamp’ (1991), os tomara-que-cai de Babalu (Letícia Spiller) em ‘Quatro por Quatro’ (1994), as joias étnicas de Jade (Giovanna Antonelli) em ‘O Clone’ (2001)...

A lista de novelas e personagens que influenciaram o jeito da brasileira se vestir é extensa, porém, na última década, houve pouco lançamento de moda. A ascensão das influenciadoras com seu ‘look do dia’ desviou os olhos das consumidoras da TV para a tela do celular.

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Especialista em Criação de Moda na Faculdade Santa Marcelina, o professor Márcio Ito afirma que essa mudança resulta da democratização do acesso à informação. Hoje, há muito mais conteúdo disponível em diferentes plataformas. A televisão deixou de ser uma grande lançadora de tendências.

A moda terá cada vez mais diversidade, diz Márcio Ito
Foto: Divulgação

Antigamente, as personagens de novelas ditavam ‘modinhas’, ainda que efêmeras. Isso mudou. Por quê?

Sim, antigamente. Hoje, não mais! Primeiro, o público que assiste à novela é outro. E temos uma enorme concorrência de conteúdos de outras plataformas que podem ser vistas por qualquer aparelho remoto. Outro fato, a internet ajuda a diversificar mais isso. Acredito que ainda temos alguns itens que podem movimentar alguma ‘modinha’, mas o maior movimento de consumo não é mais como foi na novela ‘Avenida Brasil’, com a personagem Carminha (a personagem vestia bolsa da marca Michael Kors e camisa de seda).

Alguns telejornais tinham coluna de moda, como o ‘Ponto de Vista’, com Cristina Franco, no ‘Jornal Hoje’. Consultoras como Gloria Kalil e Regina Martelli apareciam toda semana em programas de TV. Havia o ‘GNT Fashion’, que acabou. A televisão perdeu o poder de influenciar a maneira que as pessoas se vestem?

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Perdeu o poder porque possivelmente (os canais) não souberam trabalhar a diversidade do vestir para o público. Não faz mais sentido receber receitas e regras para se vestir, ainda mais ditas sob o olhar do que é elegante e sob a ótica das pessoas brancas, com ode ao corpo magro. A sociedade, por conta das redes sociais, se abriu para comunidades e grupos que antes eram ditos periféricos, e fez emergir novos e jovens talentos, que buscam na moda um sentido de existência, não de elegância ou do que está certo ou errado. Muitos canais de moda surgiram (na internet), com mais diversidade de assunto, e com acessos mais amplos e populares.

Vivemos a era das influenciadoras de moda. Elas dão contribuição efetiva à moda ou são apenas agentes do comércio de roupas?

Na minha percepção, atualmente, são mais agentes de comércio de roupas. Porém, algumas tornaram suas trajetórias em algo consistente e informativo, além de ajudar a levar a moda para espaços mais distantes. Por outro lado, temos uma amplitude de influenciadores na moda, não se restringindo a mulheres, como adolescentes e adultos com mais 60 anos.

As semanas de moda na Europa voltaram com força total, atraindo muitas celebridades brasileiras. Por aqui, a São Paulo Fashion Week repercute bem menos na mídia e nas redes sociais. A moda brasileira está decadente?

Não está decadente. A moda está em constante movimento e transformação. Vejo que temos uma polarização da indústria, com o fortalecimento dos grandes grupos e o surgimento das marcas independentes e jovens. Vejo que SPFW não perdeu força, mas sim tem ampliado seu caráter criativo para uma realidade mais diversa. Celebrar a criatividade é experimentar e conhecer novos caminhos, e talvez isso possa parecer que tenha perdido força. Vale pensar quantas pequenas marcas e jovens criadores cresceram e ganham visibilidade por esta exposição, mesmo que tenham apresentado uma única vez, por enquanto. O que precisamos é ter o suporte dos profissionais mais experientes para tornar esses pequenos ainda mais estruturados. Outro ponto valioso para observação, é que marcas e criadores querem ver seus produtos vestidos em quem faz conexão com o público.

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Como a pandemia ressignificou a ‘roupa de ficar em casa', antes desvalorizada como produto de moda?

A pandemia trouxe um novo olhar para a linha bem-estar, peças pensadas mais para ficar em casa, pois houve necessidade de maior conforto por questões naturais do espaço e também pela praticidade de uso e frequência diária. Por outro lado, houve uma maior atenção à estética e a forma dessas peças.

Como o consumidor em geral vai se comportar no pós-pandemia? Há especialistas que veem tendência a um retorno à simplicidade, com a valorização do básico. Outros acreditam que haverá explosão do luxo e da moda para ‘lacrar’. Qual a sua análise?

Como todo movimento pós-traumático, podemos ter as duas situações se desenvolvendo e convivendo juntas, até mesmo pelas mesmas pessoas. A questão é quando e com quem. Vemos que a tendência é mais ampla que esses dois caminhos.

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