“Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é”, escreveu o filósofo Nicolau Maquiavel quase 500 anos atrás. Willian Kury parecia feliz na reportagem da Globo e GloboNews.
De repente, a surpresa: o pedido de demissão após quase 5 anos no grupo. Por que um jornalista decide sair da maior empresa de comunicação do país? Certamente para dar um salto na carreira.
Dias depois, ele surpreendeu novamente: acertou sua ida para a RedeTV, emissora com baixa audiência, jornalismo com pouca repercussão e imagem ligada a programas popularescos.
Muita gente – inclusive colegas de profissão – deve ter se perguntado: como assim, trocar o cobiçado crachá global por um emprego em um canal pouco valorizado?
Somente o próprio Willian Kury pode responder. O repórter deu uma pista no post em que anunciou a demissão. “... tinha que por um ponto final. Por mim. Por respeito a mim.”
O público e os jornalistas iniciantes cultivam a ilusão de que trabalhar na TV é o emprego dos sonhos. Há ainda maior romantização sobre ser funcionário da Globo. Sim, ganha-se status, porém, paga-se um preço alto.
Repórteres passam o dia na rua para gravar ou fazer entradas ao vivo. São horas de dedicação e espera para poucos minutos no ar. Muitas vezes, a pauta é desmarcada em cima da hora ou problemas técnicos impossibilitam o ‘ao vivo’.
A maioria deles, com o passar dos anos, se chateia com a estagnação. Não há plano de carreira. Poucos conseguem a oportunidade de se tornar apresentador de telejornal ou ter alguma participação fixa no estúdio.
Por isso, vários repórteres já trocaram o vídeo por funções executivas atrás das câmeras, com salário maior, como aconteceu com Renato Ribeiro, do Esporte da Globo, que virou diretor de conteúdo no canal, e Rafael Ihara, da reportagem de SP, agora coordenador em uma empresa de comunicação corporativa.
Outros desistem do jornalismo para empreender. Foi o caso de Gabriel Senna. Demitiu-se após 17 anos na emissora para se dedicar a uma empresa de bolos aberta com amigos. Após adoecer por esgotamento emocional, Nádia Bochi deixou a equipe do ‘Mais Você’ para dar cursos e criar conteúdo na internet.
Sair da Globo para trabalhar em outro canal não é exatamente incomum entre apresentadores. Ana Paula Padrão se demitiu para atuar no SBT. Carlos Nascimento foi para a Band. Márcio Gomes se transferiu à CNN Brasil.
Ocorre menos com repórteres. E, antes de Willian Kury, nunca houve a troca da Globo pela RedeTV. O ineditismo reforça uma mentalidade: se sentir valorizado em uma empresa menor vale mais a pena do que estar insatisfeito em uma grande companhia.
No novo emprego, o repórter vai produzir matérias especiais e estará na bancada do ‘RedeTV News’ para a cobertura de férias e folgas do titular Augusto Xavier.
Provavelmente, ele terá mais espaço e autonomia do que em seus anos de Globo e GloboNews. Talvez, como indicou na despedida, passe a se sentir mais respeitado. Talvez seja mais feliz.