Tom Cavalcante completa 60 anos de vida nesta terça-feira, 8. Hoje consolidado, foi considerado uma das grandes promessas do humor nacional na década de 1990, em que marcou como João Canabrava, da Escolinha do Professor Raimundo, e Ribamar, o porteiro de Sai de Baixo.
Com mais de três décadas de uma carreira baseada em muitas imitações e alguns personagens icônicos, o artista segue presente na TV, na internet e no teatro. Se o posto de humorista mais popular da atualidade já parece distante, e alguns personagens possam até soar repetitivos, Tom demonstra continuar antenado.
No Canal do Tom Cavalcante, seu espaço no YouTube, publica com frequência vídeos bem produzidos e com assuntos atuais. Num recente, mostra continuar afiado nas imitações parodiando Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes, Moro e João Doria, em esquete que brinca com o BBB22 (imita também Tadeu Schmidt). Em outro, a brincadeira faz referência a Round 6, série da Netflix que foi febre em 2021.
Além da presença no canal de TV pago Multishow, no streaming, apresentou a primeira temporada de LOL: Se Rir, Já Era, no Amazon Prime Vídeo. Em Sai de Baixo - O Filme (2019), buscou surfar na onda de nostalgia, apesar de o resultado ter ficado longe dos tempos áureos da atração. esteve também nos filmes Os Parças (o original e a sequência), acompanhado por Whindersson Nunes e Tirullipa, dois gigantes das redes sociais.
Tom Cavalcante segue ativo também no teatro. Em São Paulo, fará quatro apresentações do espetáculo O Tom Tá On no Teatro J. Safra (dias 1º, 2, 8 e 9 de abril, sextas e sábados, às 21h).
O início
Cearense de Fortaleza, nasceu em 1962 e sofreu com a morte da mãe enquanto ainda jovem, aos 13 anos. Na segunda metade da década de 1970, começou em seus primeiros trabalhos, incluindo em algumas rádios da região. A influência foi perceptível ao longo de toda sua carreira, com suas tiradas de locutor.
A entrada na TV não foi fácil. Em 1983, tentou participar do Show de Calouros de Silvio Santos, sem sucesso. "Fui dispensado na seleção e nem participei do programa", contaria ao Estadão, anos depois.
No ano seguinte, soube que Chico Aysio estava em sua cidade e lhe entregou uma fita com algumas imitações. O humorista gostou do que viu e convidou-o para escrever para a equipe de roteiristas de seu programa. Tom foi ao Rio, mas não durou muito tempo: "Voltei para o Ceará muito constrangido e fui fazer humor em comícios".
Em 1989, os dois se reencontraram, e a partir dali passou a frequentar seus programas, desta vez em frente às câmeras.
Tom, a promessa do humor na TV
Seu primeiro grande personagem foi João Canabrava, o bêbado de fala arrastada que aparecia sempre sonolento e desarrumado ao responder as perguntas do Professor Raimundo na Escolinha, e, posteriormente, em outros programas de Globo, Record e nos palcos do teatro.
Foi nessa época que Cavalcante passou a ser apontado como a principal promessa do humor brasileiro. Conforme consta em reportagem publicada no Estadão em 14 de novembro de 1993:
"Aos 31 anos, o cearense de Fortaleza, que começou a carreira como locutor de rádio, não imaginava que se tornaria a revelação mais promissora do humorismo de TV. 'Amarguei um ano de espera até ficar fixo no elenco da Escolinha', conta. A espera se deu por falta de vagas. Só quando Pedro Bismarck, o Nerso da Capitinga, abandonou a sala de aulas é que Tom assumiu sua carteira.
[...]
Depois de satirizar o ano passado [à época, havia sido escolhido para apresentar uma retrospectiva bem-humorada na Globo], Tom pensa no futuro. É possível que ganhe um programa só seu em 1994. É o típico exemplo da criação superar o criador. No caso, o criador Chico Anysio mantém um bom relacionamento com a cria. É ele quem dirige o espetáculo de Tom Cavalcante".
O espetáculo em questão era É Cana & Brava, que ficou anos em cartaz por variados teatros e tinha arrecadação média de R$ 43 mil, valor bastante significativo àquela altura. Porém, seria esse trabalho que causaria uma ruptura entre Tom Cavalcante e Chico Anysio.
Briga com Chico Anysio
Em meados de 1995, Chico pediu para ser afastado do cargo de diretor, e, dois meses depois, foi à Justiça contra Tom solicitando seus direitos autorais, equivalente a R$ 88 mil (8% da arrecadação das 25 apresentações do período). "Não vou processá-lo por dinheiro, mas por ingratidão. Naturalmente, nossas relações estão cortadas", justificava. Tom se decepcionava: "Ele só pode estar fazendo isso por dinheiro. Ingratidão se resolve na conversa e ele não me procurou. Pediu para sair e nunca falou em dinheiro. Se é por dinheiro é só ele me telefonar e dizer quanto é que eu pago".
Meses depois, a dupla seguia trocando declarações na imprensa. "Tom revelou-se sórdido, mau-caráter e ingrato: não vê que tudo o que ele tem, deve a mim". O outro respondia: "Não tenho culpa de ter saído do Ceará e dado certo. Sei que devo minha carreira ao Chico, é muito incômodo vê-lo batendo em mim. Espero que a discussão não seja por conta da vaidade".
Anos depois, Tom garantia que tudo ficou para trás. "Hoje, não há mais nada. Houve incompatibilidade, dinheiro envolvido, mas foi tudo sanado. Quando fui dirigido por ele no teatro, Chico não ficou satisfeito de eu ter outro empresário. Foi um corte no cordão umbilical. Depois entramos num acordo financeiro e ficou tudo bem", contou ao Estadão, em fevereiro de 2000.
Se Chico, inegavelmente um dos mestres do humor brasileiro, já havia tido seu auge, Tom ainda tinha muito espaço para crescer - e dava mostras, desde o fim da Escolinha, que tinha ambição de ter seu próprio programa.
Paródia de Romário
Em 1995, quando já era um nome conhecido na TV, lançou a música Treinar pra quê?, coautoria com Ayres Vinagre, na qual imitava Romário e brincava sobre a fama do baixinho, então no auge da carreira e presença frequente na seleção brasileira. "O mais interessante é que o próprio Romário foi ao meu show e me disse que gostou da música", se orgulhava sobre a canção que chegava a superar os hits dos Mamonas Assassinas em algumas rádios ( para relembrar a letra).
'Sai de Baixo'
Em 1996, emplacou outro personagem que caiu no gosto do público: Ribamar, o porteiro do condomínio Arouche Towers, onde viviam Caco Antibes, Magda, Vavá e Cassandra, além da empregada Edileuza. Para quem não se lembra, era o Sai de Baixo, humorístico gravado em frente a uma plateia, com elenco de peso: Miguel Falabella, Marisa Orth, Luiz Gustavo, Aracy Balabanian e Cláudia Jimenez.
Sempre de boné e uma camisa de futebol americano, Ribamar se intrometia na vida da família, fosse chamado ou não, e trocava carícias com Edileuza. O personagem tinha ainda uma placa de metal na cabeça, o que fazia com que 'sintonizasse' algumas estações de rádio em momentos propícios para relembrar seus tempos de locutor de rádio ou fazer alguma de suas famosas imitações.
Com alguns meses de programa, Tom Cavalcante colhia os louros do trabalho. Em julho de 1996, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) promoveu um seminário em parceria com a Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Mercado (SBPM) e, para ilustrar o funcionamento de uma urna eletrônica (novidade que seria utilizada pela primeira vez em eleições brasileiras naquele ano), fizeram uma votação para saber quem era "a cara do Brasil".
Participaram 100 votantes, todos representantes de empresas de pesquisa de mercado. Sem valor acadêmico, o resultado foi divulgado mais como uma "brincadeira" pelos organizadores, mas já mostrava como a carreira do humorista estava de vento em popa.
Na disputa, Xuxa, Fernanda Montenegro (6%), Maguila (6%), Diolinda Alves de Souza, do MST (8%), Edmundo (o 'Animal) (8%), Hebe Camargo, Herbert de Souza (Betinho sociólogo, 15%), Silvio Santos (18%) e o vencedor, Tom Cavalcante, com 23%. "Eu sou mesmo a cara do povo. Mesmo com fama e sucesso, valorizo mesmo os pequenos prazeres, como jogar futebol na praia, andar descalço e ir ao shopping, como qualquer outra pessoa", dizia.
Se o público sintonizava a TV após o Fantástico aos domingos para dar risada, o clima nas gravações não era exatamente dos melhores. Conforme consta no Estadão de 31 de maio de 1997:
"Corre nos bastidores que o humorista mudou seu comportamento quando tomou conhecimento de uma pesquisa, cujo resultado apontava para seu personagem, o porteiro Ribamar, como o mais popular do programa.
A boataria diz também que, com o cancelamento do show de Chico Anysio, Tom está jogando para ocupar a vaga do mestre, com quem se desentendeu depois da longa parceria na Escolinha do Professor Raimundo".
Insatisfeito com o fato de ser coadjuvante, o artista chegou a faltar a algumas gravações. Em determinado momento, criticou abertamente a qualidade do texto da atração. "Todo mundo tem um dia em que não se sente bem, aquele [das críticas] foi o meu, mas nunca briguei de verdade com ninguém. Não será agora, que o programa já tem data para acabar, que vou arrumar um monte de brigas só para render fofoca", explicava.
Aquela seria apenas uma das vezes em que sua saída do Sai de Baixo ou o fim do programa seriam ventilados. Em julho de 1998, voltou a reclamar na imprensa: "Apesar de o Sai de Baixo ter fôlego para manter-se no ar, para mim, já teve seu tempo de vida. Quero desenvolver outros projetos. Não sou de ficar fazendo a mesma coisa por muito tempo".
Em 28 de maio de 1999, a crise entre Tom Cavalcante e a Globo ficou explícita. A emissora divulgou uma nota oficial anunciando a suspensão do humorista das gravações do Sai de Baixo e do piloto de seu novo programa, o Megatom.
Segundo o comunicado, Tom teria "desrespeitado um compromisso" com a Globo quando se despediu do público e do elenco do após uma gravação, sem autorização da empresa. Dias antes, tinha pedido para deixar a atração e focar em seu programa solo, o que foi negado pela diretoria. A punição durou cerca de uma semana, quando o humorista pôde voltar ao Megatom, mas marcou o fim de sua passagem pelo Sai de Baixo, em meio à 4ª temporada. Em seu lugar, entrou Luís Carlos Tourinho, vivendo Ataíde. O programa chegou ao fim em 2002.
"Ficaram rusgas, mas não da minha parte. Tenho afetividade por tudo que pertenci. O programa me deu cancha, foi um trampolim para o Megatom", dizia, na ocasião.
Em 2013, foi gravada uma mini temporada com quatro episódios especiais, dos quais Cavalcante não participou. Já no filme de 2019, o humorista esteve presente, interpretando o próprio Ribamar e também sua tia, dona Jaula.
'Megatom'
Consolidado como um dos principais humoristas da TV na década, era hora de Tom mostrar o brilho próprio com um programa solo, em que poderia estar sempre no foco, como ocorria em suas apresentações no teatro. Apesar de seus bons momentos entre as esquetes gravadas em um teatro com auditório e variados personagens, o programa não durou muito além de um ano na programação. Em 2001, deixou a grade para dar espaço ao futebol enquanto seria "reformulado", mas jamais voltou.
Mesmo sem ser longevo, o programa marcou a carreira do ator. Foi no Megatom que Pit Bicha apareceu na TV. O personagem que ironizava valentões (pit boys) que seriam gays enrustidos e tinha os bordões "Cuecão de couro, ma-nô!" e "Sou homem com 'H', ma-nô! 'H' de 'homossexual'" se consolidaria com um quadro no Zorra Total ao lado de seu fiel escudeiro Pit Bitoca (Heitor Martins), e ao longo de sua carreira.
Da Globo para a Record
No começo dos anos 2000, Tom Cavalcante seguia no humor da emissora com quadros no Zorra Total. Já sem o ar de 'promessa' da década passada, parecia não ter tanto espaço para se reinventar e focava nos mesmos personagens já conhecidos do público - o que não é um demérito, afinal, emplacar três que caiam no gosto do público não é para qualquer um.
Antes do fim de seu contrato, em 2004, o humorista trocou de emissora e foi para a Record, em movimento que foi parar na Justiça. "Tivemos de dividir os personagens. Trouxe para a Record o João Canabrava. A Globo ficou com o Pit Bicha. Já o Ribamar, não sei como vai ficar. É muito complicada essa história da criação dos personagens, é uma matéria que deve ser ainda muito discutida, pois não há leis que deixam claro o que é de quem. Podem me proibir de usar a caracterização do Pit Bicha, mas o que acontece se eu falar no ar: 'E aí, ma-nô!'? Eu entendo que todos esses personagens estão em mim e eu estou neles", reclamava, à época.
Na emissora de Edir Macedo, ganhou mais dinheiro e a chance de fazer um programa que fosse 'mais a sua cara'. Ao lado de nomes como Tiririca, Alexandre Frota, Shaolin, Pedro Manso e outros ao longo das temporadas, o Show do Tom foi ao ar entre 2004 e 2011. Foi no programa que a personagem Jarilene, uma de suas principais, ganhou as primeiras aparições na TV.
Os reality shows da casa foram um prato cheio para Tom, que vivia seu Topete Justus (paródia de Roberto Justus) em O Infeliz (O Aprendiz), ou Cabrito Jr. (Britto Jr.) no Curral (A Fazenda).
No fim da década de 2000, também protagonizou Louca Família, humorístico que nasceu como especial de fim de ano e depois ganhou episódios na grade fixa.
A passagem de Tom Cavalcante pela Record chegou ao fim "em comum acordo", antecipando o fim de seu contrato, previsto para 31 de dezembro de 2012, para a mesma data do ano anterior.
Nesse período sem contrato, fez uma marcante aparição no 'velho e querido banco' de A Praça É Nossa, do SBT, em homenagem aos 60 anos de carreira de Carlos Alberto de Nóbrega.
Desde 2015, tem feito programas no Multishow. O primeiro deles, #PartiuShopping, não mostrou a que veio. No Multi Tom, voltou a apresentar esquetes baseadas em seus principais personagens e imitações, lembrando os bons anos de Record. Em Dra. Darci, contracena com Fabiana Karla, em mais uma de suas típicas personagens femininas.