A sociedade brasileira se mostra tolerante com o gay que não parece gay. Seja por naturalmente apresentar passabilidade como heterossexual ou ao forjar um tipo viril, escondendo qualquer trejeito associado ao homossexual.
Já a ‘bicha que dá pinta’ sofre com a afeminofobia, discriminação a homens com características femininas ou relacionadas ao universo das mulheres.
Vira um alvo fácil de xingamentos, deboches, ameaças, socos, tiros. Não passa incólume entre homofóbicos de todos os tipos: dos religiosos aos mal resolvidos sexualmente, dos geracionais aos neofascistas.
Grande espelho do povo e maior influenciadora do País, a televisão tem exercido papel relevante ao dar visibilidade a esses homens gays – e também aos bissexuais – que não são o estereótipo do macho alpha.
Coincidentemente ou não, eles roubaram a cena em recentes reality shows, o formato de programa de entretenimento mais popular e com maior adesão das redes sociais.
O último No Limite foi vencido por Charles Gama, casado há 6 anos com um homem que é pai de 2 filhos de relacionamento anterior. Tornou-se o primeiro gay a ganhar a competição em 6 edições.
O segundo colocado, Ipojucan Ícaro, inicialmente contou aos colegas que tinha uma namorada. Semanas mais tarde, revelou ser bissexual.
Terceiro mais votado, Lucas Santana é homossexual declarado. No acampamento, protagonizou um beijo na boca com o colega de tribo Matheus, que mantém namoro aberto com outro rapaz. Após o fim da atração, Lucas engatou romance com um jornalista.
No BBB22, Vyni relatou o conflito interno de se assumir gay à família e situações dramáticas de discriminação. Por ter apanhado na rua, ele se isolou em casa durante um tempo.
A partir do amplo apoio recebido no reality e também após ser eliminado, ele passou a viver livremente sua orientação sexual – com caras, bocas e poses em seus posts.
A temporada anterior do Big Brother Brasil teve Gilberto Nogueira, o Gil do Vigor. Ex-mórmon, ele usou a oportunidade do confinamento com superexposição para viver plenamente seu jeito de ser.
Deixou fora da casa a asfixiante autocensura a gestos e gritos, à sensualidade e ao desejo de fazer ‘cachorrada’ com outros homens. Tornou-se uma referência de libertarismo.
Campeão de A Fazenda 13, na Record, Rico Melquiades é um ídolo entre as ‘pocs’, gíria usada no meio LGBT+ para designar os gays vistos como ‘afeminados’ ou mais chamativos.
Na emissora de propriedade de um bispo evangélico e onde são exibidas novelas bíblicas, ele não só levantou bandeira como a esfregou na cara da tradicional família brasileira.
Como sempre acontece em todo processo de conquista de direitos, muitos homossexuais precisaram abrir caminho e sofreram na pele e na alma para que os gays de hoje usufruam de tamanhas visibilidade e liberdade nos realities.
Lá no BBB1, em 2002, o professor de canto André Gabeh, gay e assexual, virou tema de piadas pejorativas de humoristas da própria Globo (foi chamado de “viado” e “fresco”).
“Fui o primeiro cidadão normal a ser visto 24 horas por dia e tendo sua sexualidade exposta. Eu só queria viver e o povo estigmatizando meu koo e meu pinto”, tuitou no ano passado, ao relembrar o que sofreu.
Naquela época, manifestações homofóbicas eram mais toleradas do que hoje. “Meu medo era andar na rua e levar pedrada, tiro”, disse André. “Hoje todo mundo é ícone, divo, fado sensato, ousado, e eu louvo isso. Mas eu sei o que passei.”
Assim como ele, também deram a cara a tapa diante das câmeras outros homossexuais que se notabilizaram, como o jornalista Jean Wyllys, vencedor do BBB5 após superar a hostilidade de alguns ‘pitboys’, e o DJ Rafael Vieira, que foi julgado publicamente por beijar à vontade na 6ª edição do De Férias com o Ex Brasil.
A luta dos LGBTs e seus aliados contra o preconceito nunca vai terminar. Agora, pelo menos, eles contam com maior inclusão no mais importante veículo de comunicação de massa do País.