Começou a temporada anual de descolamento da vida prática. A inauguração da ‘Casa de Vidro’ do ‘BBB23’ dá início a uma escapulida para milhões de brasileiros.
Nos próximos quatro meses, enquanto durar o reality show da Globo, essas pessoas vão viver a realidade paralela de quem estará confinado, vivendo menos intensamente a própria verdade.
Mais do que entretenimento para escapismo efêmero, o ‘Big Brother’ é um falso anestésico a quem busca esquecer problemas, decepções, pendências, responsabilidades.
O telespectador mais aficionado passa a fazer parte daquela dinâmica dia e noite pela TV, pelo streaming, nas redes sociais, na interação com conhecidos e estranhos.
Com isso, pensa menos nos boletos a vencer, na frustração no trabalho, na crise no relacionamento amoroso, na morna rotina sexual, na incerteza sobre o futuro, no medo intrínseco a decisões importantes.
Tira o foco sobre si mesmo e o direciona para os competidores do programa. Ficar na penumbra é confortável, enquanto assiste à superexposição daquelas pessoas transformadas em personagens.
Em carta a uma paciente, em outubro de 1916, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Jung escreveu: “É compreensível que, enquanto você olhar para outras pessoas e projetar nelas sua própria psicologia, nunca poderá alcançar a harmonia consigo mesmo”.
Algumas linhas depois, ele fez a reflexão que se tornou famosa entre terapeutas da mente e filósofos. “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta.”
É o que acontece com quem embarca na viagem quase alucinógena do ‘BBB’: um sonho superficial que embrulha a realidade incômoda mantida no íntimo secreto.
Mais divertido falar (contra ou a favor) o tempo todo sobre Juliettes, Arthures e Jades do que encarar a si mesmo. Menos doloroso escolher em quem votar no Paredão do que tomar atitudes definitivas em relação ao rumo da vida.
Paradoxalmente, a futilidade do ‘Big Brother Brasil’ vale como elixir após meses tão tensos de campanha eleitoral violenta, questionamento inconsistente do resultado das urnas e ações de caráter golpista contra a democracia.
Distrair-se com bobagens é, por fim, um mal necessário.