O 'BBB22' nem mesmo completou 24 horas de estreia e já rendeu discussão polêmica sobre um assunto sério nas redes sociais. Em conversa com os colegas de confinamento na cozinha, na madrugada desta terça-feira (18), a participante Natália Deodato afirmou que a escravização das pessoas negras africanas foi resultado de sua "eficiência".
"Realmente tem a história que a gente veio, e viemos como escravos, sim, porque a gente era eficiente, a gente era forte. Por que a gente veio como escravo? Porque a gente era bom no que a gente fazia. Porque se colocasse uma pessoa lá pra fazer aquilo, não conseguiria", analisou a modelo de 22 anos.
O ponto de vista da participante repercutiu ao longo de todo o dia nas redes sociais. Pesquisadores, ativistas e influenciadores logo trataram de desconstruir o ponto de vista de Natália.
O advogado Thiago Amparo, influente nome nas discussões sobre identidade racial, enfatizou o erro da participante.
"Isto é um desserviço, pra dizer o mínimo. Não é pela eficiência. É por escravos terem sido considerados menos do que humanos e por escravos terem sido o pilar de um sistema econômico baseado em sua mão de obra explorada", afirmou.
Bem, Natália, está bem errada. Isto é um desserviço, pra dizer o mínimo. Não é pela eficiência. É por escravos terem sido considerados menos do que humanos e por escravos terem sido o pilar de um sistema econômico baseado em sua mão de obra explorada. https://t.co/Fn2IR3BaRp
— Thiago Amparo (@thiamparo) January 18, 2022
Não Natália…Não era porque éramos fortes, é porque para eles éramos inferiores.
A escravidão foi um crime brutal que nos roubou a vida, a dignidade e que até hoje nos tira oportunidades.
Não romantize a escravidão! #BBB22
— Fayda Belo⚖️📚 (@faydabelo) January 18, 2022
Pensamento de Natália é comum
Em entrevista ao Terra, a professora e historiadora Inajara Abbude explica que pensamento como o de Natália é mais comum do que se imagina. Segundo ela, lógicas como a expressada pela participante permeiam o imaginário desde o período de escravidão. E, em diálogo com a ideia de racismo estrutural, acompanham gerações.
"A partir daí a gente vê a questão dos capitães do mato. Se eu, como indivíduo negro, consigo alcançar um status diferenciado; eu, para me encaixar dentro de um padrão e fazer parte daquele grupo social, começo a tratar tudo que contempla a história do povo negro como vitimismo. Ela comete o que a história chama de 'anacronismo histórico'", explica a professora.
De acordo com Inajara, é notória a tentativa do empoderamento e da autoestima, mas a falta de conhecimento sobre a história do negros escravizados leva à repetição de pensamentos já invalidados por documentos históricos . A existência dos navios negreiros, termos de propriedade dos africanos e registros dos portos são exemplos que comprovam o tráfico de pessoas escravizadas
Na avaliação da professora, é necessário reforçar que os negros são extremamente eficientes, sim, mas não foi esse o pensamento que orientou a escravização de pessoas 300 anos atrás.
"Nós nao fomos convidados a vir pra cá, essa é a grande questão. Se é pra falar da eficiência do indivíduo negro, bacana. Nós negros somos bastante eficientes, mas não ao ponto de sermos escravizados. Isso vem do processo do racismo estrutural. (...) Se não fosse essa parcela da população que veio pra cá, mesmo na condição de escravizada, a sociedade não teria caminhado e não teríamos construído o país. Mas foi com muita dor e sangue", acrescenta.