A primeira semana do BBB22 foi protagonizada por Linn da Quebrada. A funkeira atraiu a atenção dos demais participantes, das câmeras no confinamento e de torcida numerosa aqui fora com suas poesias cantadas, o ativismo contra a travestifobia e a reação a falas equivocadas de alguns colegas de programa.
A desvantagem de ter entrado na casa apenas no quarto dia, por ter cumprido quarentena após contrair covid-19, logo foi revertida em superexposição positiva. Roubou a cena com seu visual forte, carisma e questões suscitadas por sua representatividade. O estranhamento provocado em outros competidores e em parte dos telespectadores faz bem. “Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar”, refletiu o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Chamada de “traveco”, “ele” e “amigo”, a artista reagiu com elegância e inteligência emocional. Coube ao público se irritar com quem praticou o preconceito usando a incoerente desculpa da desinformação e da falta de convivência com pessoas LGBTQIA+. Estamos em 2022 e só não se educa a respeito quem não quer – ou faz da ignorância e da intolerância bandeiras políticas e ideológicas.
Quem diria: uma travesti se tornou a grande atração noturna da Globo. A visibilidade de Linn no horário nobre da emissora mais assistida do País é uma pequena revolução. Até pouco tempo, o telespectador via travesti apenas em matérias sobre crimes, barracos e prostituição – principalmente em jornais policialescos – ou então como objeto de comédia escrachada em humorísticos. Alimentava-se o estereótipo que gera incompreensão ou visão quixotesca. Como diz o bordão, “travesti não é bagunça”.
O Brasil de hoje sofre com o recrudescimento da violência contra todos que diferem da heteronormatividade. A cada 19 horas, um membro dessa diversidade sexual cai morto, abatido pela lgbtfobia. Contudo, nota-se mais espaço e interesse para a discussão do tema. No ‘BBB11’, Ariadna Arantes não teve tempo, o preconceito foi mais rápido.
A primeira mulher transexual no reality show saiu logo no primeiro Paredão, extirpada como se fosse um corpo estranho naquele universo que sempre privilegiou misses, sarados e gostosas heterossexuais. Aceitava-se, no máximo, o gay comportado (como Jean Wyllys do ‘BBB5’) ou a bicha engraçada (a exemplo de Dicésar e Serginho da décima edição). Ressalte-se que os três participantes citados deram relevante contribuição contra a homofobia institucionalizada.
Agora, com Linn, a tradicional família brasileira vê uma travesti se destacar não em uma esquina qualquer à espera de clientes (a maioria deles formada por homens com vida dupla sigilosa), mas em sua sala de estar. Uma travesti cantora, atriz, apresentadora, agitadora cultural e ativista pela própria sobrevivência. Tatuada, destemida, provocativa. Está ali para atrair, incomodar, desconstruir, esclarecer. Sua presença virou um trunfo para o BBB22 e a Globo, e nos convida a criar uma sociedade menos intransigente e hipócrita.