Logo no começo do romance russo ‘Anna Karenina’, o escritor Leon Tolstói desmantela a idealização a respeito da mais antiga e controversa instituição da humanidade.
“Todas as famílias felizes se parecem. Cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”
Por meio dos desabafos de Tiago Abravanel no ‘Big Brother Brasil’, descobrimos que o clã de Silvio Santos está longe de ser unido como imaginávamos.
O cantor se sente rejeitado pelo avô famoso. O contato entre eles é mínimo, quase protocolar. Não há afeto na dose desejada nem abundante ajuda financeira.
O brother reclama da falta de abraços, da ausência do ídolo em seus aniversários, do pouco apoio à sua carreira no SBT – tudo o que o público achava que existia.
Ao mesmo tempo, Tiago carrega o peso de ser herdeiro – da fortuna e do legado artístico – daquele que é o mais popular apresentador da televisão e um dos homens mais ricos do País.
Em seus ombros estão a expectativa exagerada, a cobrança externa e interior, a comparação indevida, o desdém de quem o vê apenas como um privilegiado.
Não é fácil viver à sombra de um parente famoso. Menos ainda quando não se tem a compensação básica para suportar tal condição limitante: o suporte emocional.
Sentindo-se renegado e cobrado, discriminado e subestimado, Tiago Abravanel aplica uma vingança involuntária ao expor a imperfeição da família materna no programa de maior audiência do momento em emissora concorrente à de seu avô-celebridade.
Em seus relatos reveladores sobre a intimidade, fica subentendido que estaria excluído por ser gay e não evangélico, duas características em choque contra vários parentes.
Cabe aqui outra citação de ‘Anna Karenina’: “Não falo o que penso, falo o que sinto”. Ao insistir em discutir a relação com outros participantes do ‘BBB22’ e questões privadas de seu clã, Tiago transforma o entretenimento em terapia assistida por milhões de telespectadores.
O fluxo de mágoa contra Silvio Santos é mais um capítulo da desconstrução do comunicador, iniciada anos atrás com a contestação na imprensa de declarações consideradas discriminatórias.
Tiago retira mais uma camada de verniz do apresentador ao associá-lo à negligência afetiva. Aos 91 anos, o icônico ‘Homem do Baú’ sofre revés em sua imagem justamente na tela da Globo, onde trabalhou de 1965 a 1976 e contra o qual tanto rivalizou após criar o SBT.
Na verdade, o que o neto faz é humanizar a figura idolatrada do avô. Toda idolatria se baseia em equívocos. Não há família perfeita, tampouco pessoas infalíveis.
Aliás, ‘Anna Karenina’ destaca isso nos personagens e nas tramas: somos todos incompletos e falhos – mesmo assim, precisamos tentar ser felizes juntos, cada um ao seu modo.