A página 14 da edição de sábado, dia 11, de O Globo trouxe um artigo assinado pelo colunista Ascânio Seleme, que já foi diretor de redação do jornal. Sob o título 'É hora de perdoar o PT', ele escreveu: "O ódio dirigido ao partido não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante”.
Tal mensagem no principal impresso do Grupo Globo, do qual a TV Globo e a GloboNews fazem parte, gerou imediata e ruidosa repercussão. "Ao invés de falar em perdão ao PT, a Globo deveria pedir desculpas", afirmou o deputado federal Rogério Correia (PT/MG) no Diário do Centro do Mundo. "No mínimo curioso o texto, vindo da mesma organização midiática que não somou esforços para atacar dia e noite o Partido dos Trabalhadores."
Em outro trecho, o parlamentar criticou diretamente a emissora de TV mais influente do País. "Se a Rede Globo quiser mesmo fazer uma autocrítica real, despida de tanto pedantismo e arrogância, será preciso, antes de tudo, que reconheça a perseguição que fez ao presidente Lula e a perseguição que culminou no golpe contra a presidenta Dilma, além disso, reconhecer os feitos dos governos petistas."
Rogério Correia afirma que a Globo é "a criadora do próprio monstro que agora se volta contra ela", em referência aos ataques direcionados ao canal pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Argumenta ainda que a emissora — desprezada tanto pela direita quanto pela esquerda — perde espaço para RecordTV, CNN Brasil e plataformas de streaming como a Netflix.
Na prática, a Globo vive bom momento de audiência e não sofre ameaça de perda de liderança. Seu serviço GloboPlay registrou crescimento relevante de assinantes e faturamento desde o início do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19. A polarização política e ideológica no Brasil alimenta o jornalismo em geral e fez o Jornal Nacional, telejornal mais visto no País, crescer no Ibope ao longo do ano passado e nos primeiros meses de 2020, com média recorde de 36 pontos em uma edição.
Esse hipotético perdão oferecido pela Globo ao PT reativa a ofensiva de Lula contra o canal e, especialmente, o âncora e editor-chefe do JN William Bonner. No Twitter, o ex-presidente repetiu um argumento apresentado por ele em várias entrevistas: "Eu tenho mais de 400 horas de Jornal Nacional contra mim. E se pesquisar o Moro tem 400 horas a favor".
Em entrevista à TV 247 no domingo (11), o jornalista e militante de esquerda Florestan Fernandes Júnior, que trabalhou na Globo, descartou uma reconciliação entre o ex-presidente e a emissora. "O Lula não vai perdoar, esquece. Uma pessoa não é humilhada da maneira como ele foi. Ele foi humilhado", disse. Ao mesmo veículo, o também jornalista Rodrigo Viana, repórter na Globo de 1995 a 2006, e depois na RecordTV por 13 anos, fez um comentário: "Houve um gabinete de ódio da Globo (contra Lula)".
Em 12 de junho de 2019, Lula conversou com os jornalistas Juca Kfouri e José Trajano em uma sala da Superintendência da PF em Curitiba, onde estava preso. Ele atacou suposta omissão jornalística do canal carioca. "Você não acha estranho que a Globo nunca tenha pedido uma entrevista?", questionou. Em outro momento, fez um desafio ao principal apresentador da casa. "Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no Jornal Nacional. E eu só queria uma chance de poder dizer a ele: 'Você mentiu'." O presidente Jair Bolsonaro também solicitou um embate olho no olho com Bonner na bancada do JN. Igualmente não foi atendido.
Será que a bandeira da paz estendida por Ascânio Seleme em O Globo — potencialmente provocativa a antiesquerdistas e bolsonaristas — sinaliza a possibilidade de a TV Globo voltar a entrevistar Lula? Oito meses depois de o petista sair da prisão, a emissora ainda não o procurou, assim como a GloboNews também não o fez.
No mínimo estranho que as maiores referências de jornalismo da TV aberta e da TV paga ignorem um dos personagens mais polêmicos da política nacional. Assim como também é incompreensível ainda não terem entrevistado Jair Bolsonaro a fim de enfrentar as queixas do presidente contra a atuação dos veículos jornalísticos do Grupo Globo.