Em 16 de novembro de 2019, a BBC exibiu em horário nobre no programa ‘Newsnight’ uma entrevista do príncipe Andrew. O filho encrenqueiro da rainha Elizabeth II acreditava que a visibilidade renderia apoio popular à sua imagem devastada pelo envolvimento com o bilionário Jeffrey Epstein, preso sob acusações de pedofilia, agressão sexual e tráfico de mulheres.
O tiro saiu pela culatra e estraçalhou o pouco de credibilidade que restava ao nobre. Bem-treinada, a apresentadora Emily Maitlis ressaltou as contradições, as mentiras e o esnobismo de Andrew. As redes sociais reagiram com incontáveis memes depreciativos contra ele.
Para não constranger ainda mais sua mãe e manchar a monarquia com um escândalo pessoal, Andrew renunciou aos deveres reais e teve títulos militares revogados. Virou um pária dentro da própria família.
Lançado no dia 5 de abril na Netflix, o filme ‘A Grande Entrevista’ mostra os bastidores do trabalho da equipe de jornalistas da BBC na preparação para gravar a conversa com o príncipe.
O roteiro destaca a pressão que uma grande emissora de TV sofre para atrair audiência e manter relevância diante da competição com a internet, além de lembrar o espinhoso caminho percorrido pelas mulheres para conquistar espaço e respeito no telejornalismo – e ainda a guerra de vaidade entre elas.
Hábil em prender a atenção, ‘A Grande Entrevista’ mostra como a realeza, equilibrando-se entre o arcaico e a tentativa de se modernizar, fascina e, ao mesmo tempo, recebe o desprezo de milhões de pessoas dentro e fora do Reino Unido.
O material de divulgação do filme priorizou fotos de Gillian Anderson, um tanto apagada no papel da entrevistadora, e Rufus Sewell, que se sai bem na pele de Andrew, ajudado por caracterização eficiente. Mas o protagonismo é de Billie Piper interpretando a produtora da BBC Sam McAlister. Ela quem convence o príncipe e sua principal assessora, Amanda (Keeley Hawes, em boa atuação), a conceder a entrevista.
A atriz entrega desempenho irretocável ao viver uma mulher sob pressão no trabalho, onde busca o reconhecimento dos colegas, e tentando ser uma mãe presente mesmo priorizando a carreira. Carismática, Billie insere humanidade entre personagens às vezes robotizados pelo excesso de preocupação com as aparências e o julgamento público.
Com exceção dos trechos encenados da entrevista, difícil saber o quanto há de precisão histórica na dramatização baseada em fatos. Ainda que os roteiristas tenham romanceado aqui e ali, ‘A Grande Entrevista’ se mantém atada à realidade do jornalismo em constante crise (de identidade e importância) e do desespero do clã monárquico britânico em garantir sua sobrevivência.