Cropped, shortinho, salto alto e maquiagem nada básica fazem parte do figurino cotidiano de Marco Mejia, interpretado pela atriz e youtuber Miss Benny na série ‘Glamorous’, no menu da Netflix.
O aspirante a influencer que sonha ser uma estrela da internet consegue um trabalho como assistente da imperatriz dos cosméticos Madolyn Addison, papel de Kim Cattrall.
A trama é fraca. Uma mistura açucarada de ‘Sex And The City’, ‘O Diabo Veste Prada’, ‘Betty, a Feia’ e ‘Emily em Paris’. Muito glamour superficial, edição moderninha, figurinos ao gosto dos fashionistas.
A relevância está em ser uma produção protagonizada por uma artista não-binária – pede para ser chamada por pronome feminino – vivendo um jovem gay afeminado.
‘Glamorous’ abusa de clichês associados aos LGBTs e, especialmente, ao homossexual latino fora do padrão tentando se impor entre Kens e Barbies.
É uma comédia com aura de conto de fadas ‘queer’ exclusivamente para entreter. Não se deve cobrar estofo sociológico e psicanalítico, ainda que haja mensagem de autoaceitação.
Interessante mesmo é a ousadia de jogar holofote em um perfil desprezado dentro de sua própria comunidade, onde se endeusa o homem que reproduz a aparência e o comportamento do estereotipado hétero raiz.
Gays chamativos e fisicamente frágeis como Marco são frequentemente alvos de chacota, segregação e espancamento.
Ele se parece com alguns mártires da homofobia no Brasil, como Itaberli Lozano, de 17 anos, assassinado a facadas pela própria mãe que não o aceitava, e Marcos Vinícius de Macedo, 19, golpeado até a morte em área frequentada por gays na capital paulista.
Na teledramaturgia, personagens como Marco quase sempre são vistos em núcleos de humor, como o afrontoso Kelvin (Diego Martins) em ‘Terra e Paixão’, da Globo. ‘A gay escandalosa’ é mais aceita quando diverte a família tradicional (sem beijo na boca, é claro).
Não é coincidência que todas as produções de sucesso citadas anteriormente tinham pelo menos um homossexual afeminado em função cômica. O recurso funciona.
Por outro lado, retratar o gay indiscreto contribui para normalizá-lo. A sociedade e a comunidade LGBT+ precisam respeitar quem não tem vergonha de se mostrar como é, sem amenizar características julgadas como impróprias – essencialmente femininas, portanto, há machismo intrínseco à homofobia – com base no preconceito.
Pessoas como Marco se libertaram da execrável recomendação “seja gay, mas não pareça gay”. Estão dispostas a pagar o preço (alto) para vestir, falar, gesticular, enfim, viver como bem entendem, sem represar a ‘bichice’.
Em tempo: o “sai da frente, sou gay” usado no título deste texto é dito pelo personagem em ‘Glamorous’. Pode ser interpretado como um grito de guerra para abrir caminho no excludente mundo heteronormativo.