'Me vejo como tradutora do futuro para o presente': os segredos de Luiza Trajano

Empresária transformou um negócio familiar em grande império, combinando inovação, liderança feminina e propósito

Empresária Luiza Trajano, em entrevista para a Velvet
Empresária Luiza Trajano, em entrevista para a Velvet
Foto: Loiro Cunha

Num mundo cada vez mais repleto de desafios, Luiza Helena Trajano é daquelas pessoas que preferem encontrar soluções. Essa é a marca de sua liderança à frente do Magazine Luiza, empresa fundada pela tia em 1957 na cidade de Franca, interior de São Paulo, que atravessou as décadas antecipando tendências, como o e-commerce, e chegou ao século XXI entre as principais potências do mercado brasileiro.

Sem medo da inovação e atenta às pautas sociais, Luiza é uma inspiração para todo empreendedor, seja de grande, médio ou pequeno porte. Por isso, já foi incluída pela revista Time entre as 100 pessoas mais influentes do mundo. Hoje ela divide seu tempo entre a presidência do Conselho de Administração do Grupo Magazine Luiza e iniciativas como a Mulheres do Brasil, que tem como objetivo aumentar o número de líderes femininas no país. Veja abaixo como foi nossa conversa.

O Magazine Luiza é um dos empreendimentos familiares mais bem-sucedidos do Brasil. Como era o contexto em que ele nasceu? Ele já surgiu com esse DNA empreendedor?

A minha tia (também chamada Luiza Trajano —falecida em fevereiro de 2024, aos 97 anos) foi vendedora numa loja por muito tempo, até mudar de cidade quando casou. Anos mais tarde, quando voltou para Franca, ela tinha o sonho de montar uma loja para gerar emprego para a família. Na cidade tinha uma loja chamada A Cristaleira, que estava à venda. Ela só tinha dinheiro para a entrada, mas mesmo assim foi em frente. E a gente tem esse espírito tão inovador, somos uma família profundamente empreendedora. A palavra está na moda agora, mas sempre entendemos que empreender quer dizer ousar e saber encontrar solução. Então ela pegou e foi, fez um concurso na rádio, em 1957, para os ouvintes escolherem o novo nome da loja, e aí veio o Magazine Luiza. Era uma loja pequena, que começou a crescer quando passou a vender televisão e outros eletrodomésticos.

E eu tive a sorte de ter minha mãe e minha tia, duas mulheres fortes na minha vida, numa época em que a mulher não trabalhava. Eu já nasci em uma família de mulheres trabalhando. Mulheres da minha idade costumavam escutar que não podiam trabalhar e, sim, apenas cuidar dos filhos. Eu nunca fui cobrada nesse sentido.

Eu li que sua primeira experiência com o Magazine Luiza foi ainda criança, quando você queria juntar dinheiro pra comprar presentes de Natal. É isso mesmo?

Sim. Eu tinha doze anos, e minha mãe falou: “Se você quer dar presente, vai trabalhar, ganha seu dinheiro e dá o presente que você quiser”. Ela não falou que não podia. Eu acho que ali foi o começo de muita coisa, porque tanto eu quanto eles viram que eu tinha muito jeito para lidar com as pessoas. Tanto é que não só eu comprei os presentes como fizeram minha primeira poupança com o que sobrou. Mas é interessante que tudo o que você faz que dá certo acaba inspirando. Então meus primos passaram a trabalhar na loja em dezembro, porque tinha muito movimento. Até minha neta, que hoje tem 17 anos, quando tinha 13 anos foi trabalhar numa loja para comprar um batom para a avó.

E foi na idade que sua neta tem hoje que você começou a trabalhar de fato no Magazine Luiza. Era uma loja pequena ainda?

Era pequena. A minha tia era uma grande empreendedora, mas ela não era muito gestora. Ela comprava, aprendia, sabia lidar com as pessoas, sabia vender muito bem, mas nunca foi muito gestora. E eu já entrei com isso. Ela jamais mexeu com computador, ela jamais mexeu com plano estratégico. Ela era mais da intuição. E eu estudei, fiz faculdade de Direito junto com Administração, e fazia muitos cursos em São Paulo. Eu sempre fui muito atualizada, mas não teorizo muito, eu ponho na prática.

"Eu fui criada com solução. Se eu chegasse da escola e falasse mal da professora, ouvia: O que você pode fazer para a professora gostar de você?"

O que tem te interessado no momento atual, Luiza?

Agora eu estou estudando Inteligência Artificial. Não exatamente o que é a Inteligência Artificial, porque isso todo mundo sabe. Quero ajudar as pessoas a entenderem o que vão fazer. Eu me vejo como uma tradutora do futuro para o presente.

E de onde vem essa inspiração?

Ela simplesmente aparece! Por exemplo, em 1991 eu criei uma loja eletrônica. As cidades menores em torno da gente também nos queriam presentes. Mas como fazer isso? Porque as nossas lojas, na época, tinham mil metros, 700, 800. Não eram muitas, mas eram referência. Aí eu falei: “O Magazine Luiza traz para a sociedade a loja eletrônica Luiza”. Mas era uma coisa muito na frente, com vendas pela televisão, muito antes da internet aparecer.

Luiza Trajano e o CEO da Vivo, Christian Gebara
Foto: Loiro Cunha/Velvet

O que chama muita atenção na sua trajetória é que você tem todo esse lado inovador, mas, por outro lado, você também simboliza essa imagem da humanização do relacionamento. Você passou a chamar todos os funcionários de vendedores e criou os rituais de segunda-feira, onde todos se conectam e cantam o hino da empresa. Como lida com essa dualidade?

Eu tenho sempre um lado lógico e um lado de propósito. O nosso primeiro mandamento é dar um bom atendimento ao cliente. E, se você tem o cliente como ponto focal, como é que você pode ter uma equipe que não esteja alinhada no coração, na cabeça e no bolso? Eu entendi desde cedo que eu não posso ter um atendimento bom se eu não tiver uma equipe alinhada, comprometida. Cada um tem que se sentir dono, tem que ter educação, eles têm que entender, eles têm que participar do planejamento. E serem recompensados por isso. Todas as nossas remunerações são por produtividade. E eu adoro o papel de vendedora. Eu acho que você vende o tempo inteiro pra todo mundo. E existe esse estigma em cima desse papel, que a minha família não tem. Quando eu estava começando a loja eletrônica, entrevistava as pessoas e perguntava qual era o sonho delas. Diziam que queriam ser dentista, médico, bombeiro. Quando não davam certo em nada, iam para venda. E eu não fui criada assim. Para mim, venda é o combustível de qualquer negócio.

Você tem essa característica de ouvir muito os clientes e seus vendedores. Você lembra de alguns momentos em que recalculou a rota por causa de algum feedback que ouvia dos clientes ou dos funcionários?

A minha norma é assim: primeiro eu resolvo o problema do cliente, depois vou na causa. Porque se você não for lá, você vai ficar repetindo os mesmos erros sempre. Então, a minha orientação sempre é essa. O SAC eu acompanho de perto. Eu não estou na operação da empresa, mas do SAC, sim.

Luiza Trajano e Christian Gebara, para a revista Velvet
Foto: Loiro Cunha/Velvet

O tema da inclusão é outro ponto que nós temos em comum, tanto na Vivo quanto no Magazine Luiza. O programa de trainees que vocês fizeram em 2020, voltado exclusivamente a profissionais negros, teve muita repercussão. De onde surgiu a ideia?

Para nós foi muito natural fazer. Tem algumas políticas que são feitas e que melhoram as coisas um pouco, mas eu detesto melhorar só um pouco. Eu gosto de ir na raiz. Um dia o Frederico (filho de Luiza e atual CEO do Magazine Luiza) fez uma pesquisa e viu que a gente tinha mais de 50% de funcionários negros, mas não tinha nenhum acima de superintendente. Não tinha diretor. E uma das formas rápidas de chegar no alto escalão é por meio do programa de trainee. Por isso montamos o programa, começamos a divulgar internamente, colocamos uma nota no jornal. E aí foi uma agressividade.

Vocês esperavam essa reação?

Veja esse exemplo: quando eu sou a favor do Bolsa Família, que eu vou há mais de dez anos para o sertão e eu sei o que isso significa, dizem que eu sou esquerda. Quando eu sou a favor da privatização, dizem que sou direita. Mas eu não abro mão dos meus propósitos por causa disso. Por isso, quando lançamos o programa de trainees, eu sabia até que ia ter alguma coisinha, mas não no nível que teve. Foi agressivo, violento. O Frederico ficou muito assustado, mas não abriu mão em nenhum momento. Chegou a mandar uma carta para o mercado justificando que ele não estava querendo impor nada ao mundo, mas queria mudar a nossa empresa. E ninguém tem nada com isso.

Luiza, poucas empresárias conhecem o Brasil como você. Qual é a sua visão sobre o país hoje? Está otimista?

Eu fico impressionada como o próprio Brasil fala mal do Brasil! Não temos um plano estratégico longo, mas sobrevivemos independentemente da política. Um país que tem uma diversidade econômica que nós temos, a beleza natural que nós temos, um país que tem duzentos e tantos milhões de habitantes… Não tem trauma de guerra como muitos países da Europa têm, e eu sei porque tenho uma filha que mora na França e lá eles têm um trauma de guerra que impacta o consumo, geração por geração. Aliás, ainda hoje há 46 guerras acontecendo no mundo, curiosamente nenhuma ocorrendo em países comandados por mulheres.

Já que entramos nessa pauta de liderança feminina, fale um pouco mais sobre o grupo Mulheres do Brasil, que você fundou em 2013 e hoje conta com mais de 120 mil participantes.

É um grupo político, suprapartidário, e um dos nossos objetivos é colocar 50% de mulheres nos Conselhos de Administração. Inclusive temos muitos homens com a gente, porque eu acho que esse equilíbrio ajuda muito. Eu sou a favor da junção, eu acredito muito nas forças masculina e feminina.

"Se eu estou fazendo uma coisa, fico 100% conectada nisso, e não conectada com outra coisa."

Empresária Luiza Trajano
Foto: Loiro Cunha/Velvet

E você consegue enxergar uma mudança já na sociedade ou no mercado?

Muito grande. Pode ter certeza que chegou a vez da mulher. A mulher tá com poder. Eu não quero mais que se use o termo “vamos trabalhar pra isso”. O que eu quero é o seguinte: como é que a mulher vai usar esse poder? A mulher é quem hoje resolve qual telefone ou computador vai comprar. Agora a minha luta é para a mulher lutar pela união masculina e feminina, pela união sem esquerda e direita, porque o povo está cansado disso. Quando comecei a me interessar mais por essa questão, a primeira coisa que eu fui estudar foram quais os movimentos que não deram certo. Vi que eram os movimentos que só tinham mulheres elitizadas. No Mulheres do Brasil nós temos mulheres de comunidade que frequentam os conselhos. E elas são um vulcão. Quando o grupo surgiu, eu fui para Brasília, a convite da presidente Dilma, para falar de empreendedorismo. Era para levar meia dúzia de mulheres, mas levei 40. Levei duas meninas de Paraisópolis que nem tinham negócio. Mas eu pensei, como é que eu vou falar de vida real se eu não levar quem representa 60% da classe? Eu não acredito em grupo que tenha só mulheres elitizadas, o Brasil não é isso.

Quais cidades do mundo você mais gosta?

Eu gosto do Brasil. Eu amo o Nordeste, parece que eu nasci lá, de tanto que me identifico com o povo. Também gosto do interior de São Paulo, tenho fazenda na Serra da Canastra, ali naquela região que é lindíssima. A gente trabalha tanto, já viaja tanto, que o que eu gosto é de ficar na minha fazenda.

Como você desconecta de uma rotina cansativa, Luiza? É nessa fazenda na Serra da Canastra?

É interessante, eu estou agora falando com você e eu estou aqui. Você não vai ver o meu celular, você não vai ver nada. Se estou no café da manhã na minha casa, estou com a pessoa que está comigo. Sou assim com tudo. Me treinei para estar inteira naquilo que estou fazendo e aprendi que isso não traz desgaste.

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Fonte: Velvet Conteúdos da revista Velvet
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