Raphael Montes, autor de 'Beleza Fatal', revela próximos passos na TV e literatura

O escritor de 34 anos já acumula oito livros lançados e terá a história de 'Dias Perfeitos' adaptada como série no Globoplay

Para entreter o público, um bom ilusionista deve capturar a atenção da plateia com uma mão, enquanto faz o truque com a outra. Raphael Montes aprendeu isso ainda na infância, quando sonhava em ser mágico. A ideia de se juntar ao circo ou de se apresentar em festas de criança não durou muito, mas aquele princípio rege seu trabalho até hoje.

“A mágica tem um efeito: a surpresa. Você mostra  a cartola vazia, vira a cartola, e de lá tira um coelho. A literatura policial também tem essa surpresa. Eu preciso saber quais são os coelhos que vou tirar da cartola para surpreender o meu leitor”, compara, em entrevista à Velvet por chamada de vídeo, direto do Rio de Janeiro, frente ao computador onde nascem suas tramas, repletas de sustos, reviravoltas e violência.

E assim como se diz dos coelhos, Montes é prolífico. Aos 34 anos, ele já acumula oito livros lançados.  O último deles, “Uma Família Feliz”, publicado pela Companhia das Letras em março de 2024, já era sucesso desde a pré-venda. Quando chegou às prateleiras,  ficou por três semanas seguidas entre as ficções  mais vendidas. Simultaneamente ao livro, levou aos cinemas o filme de mesmo nome, estrelado por Reynaldo Gianecchini e Grazi Massafera. Foi o roteiro assinado pelo escritor e concebido há quase uma  década que deu origem à obra literária.

Raphael Montes
Raphael Montes
Foto: Velvet

Esse lançamento em duas mídias foi uma ideia  de Raphael, que faz questão de se envolver em toda  a estratégia de divulgação daquilo que escreve. “Gosto de testar novos formatos, busco sempre um  novo frisson no lançamento”, conta. Nas pré-estreias,  o espectador comprava o combo com livro e ingresso  para o filme, seguido de bate-papo. O anúncio foi feito para uma sessão no tradicional cinema Belas Artes, em São Paulo, e os bilhetes se esgotaram em poucos minutos, como mágica. Abriu-se uma nova sessão, na maior sala do espaço, e outras duas no Rio de Janeiro, todas lotadas.

Raphael Montes é daqueles escritores que contam  com uma base de fãs dedicada. Seu perfil no Instagram  é seguido por 310 mil pessoas e não é raro que suas postagens atinjam um número ainda maior de visualizações. Ele é grato por isso, mas também se questiona: “Me incomoda um pouco essa coisa de ter  o nome”, revela. “É lógico que tem muito conforto nisso, mas me inquieta, como um jovem escritor, ter essa  espécie de garantia em algum lugar.”

Foi desse sentimento que, em 2016, surgiu o plano  de lançar um livro sob pseudônimo. Quando “Bom Dia, Verônica” chegou às livrarias, o nome que aparecia na capa era de Andrea Killmore. A publicação foi elogiada pelos amantes de suspense policial e vendeu 10 mil exemplares, resultado respeitável no mercado. Só três anos depois, durante a Bienal do Livro de 2019, foi revelado que a tal Killmore era fruto da mente de  Montes, em parceria com a criminóloga Ilana Casoy.

O livro virou série da Netflix no ano seguinte e durou três temporadas, sendo um dos títulos nacionais mais comentados da plataforma e reunindo um elenco de primeiro escalão, com nomes como Tainá Müller, o próprio Gianecchini, Eduardo Moscovis, Camila Morgado, Rodrigo Santoro e Maitê Proença participando dos episódios.

O mundo vai ajudando a entender a pertinência de algumas histórias. Hoje em dia, com o alcance que os meus livros têm, e com os meus trabalhos de televisão e cinema, não basta apenas ter uma história. Eu preciso entender quais são os temas que eu estou falando e como abordar de maneira consciente, mas sem ser didático.

Autor multimídia

O streaming, por sinal, é um território a ser cada vez mais dominado pelo autor. Raphael Montes é o autor de “Beleza Fatal”, primeira novela original do Max na América Latina, que estreou em fevereiro e se tornou um grande sucesso de público e crítica.

Neste ano também chegará às telas do Globoplay a adaptação de “Dias Perfeitos”, romance publicado em 2014 e transformado em série pelas mãos da diretora Joana Jabace e da roteirista Claudia Jouvin.

Montes atuou como consultor criativo da produção. “Meu trabalho foi uma delícia”, admite. “O materia vinha muito sólido e com bastante respeito ao original. Tenho certeza que vai ser uma série que meus leitores vão gostar”. Na trama de “Dias Perfeitos”, um jovem estudante de medicina sequestra a garota por quem é apaixonado e tenta transformá-la na sua versão de par perfeito. Quando escreveu o livro, Montes queria discutir  a procura de um ideal romântico em tempos de pouca disposição em lidar com o diferente.

Raphael Montes nos bastidores de Beleza Fatal, na Max
Foto: Arquivo Pessoal / Velvet

No momento da nossa conversa, uma noite de segunda-feira após uma longa tarde de trabalho com a equipe de roteiristas de um novo projeto para a TV, ainda não revelado, o escritor não tinha definido qual seria o enredo do próximo livro. Ele costuma anotar suas ideias num caderno e, atualmente, considera que ao menos uma dezena delas daria bons romances de suspense. A escolha leva em conta fatores que capta com a antena que todo artista costuma manter ligada.

Para escrever “Uma Família Feliz” utilizando a narração em primeira pessoa de uma mulher grávida, o escritor conversou com mães recentes e leu muitas obras de autoras acostumadas a lidar com a temática, como  “Mal-Estar na Maternidade”, da psicanalista Vera Iaconelli.

Essa preocupação com a maneira de abordar tópicos pesados é algo que Montes foi construindo ao longo da carreira. Aos 19 anos, quando publicou “Suicidas”, seu primeiro livro, ele não se dedicou a pesquisar sobre depressão, gravidez indesejada, saúde mental e outros temas em que a trama resvala.

Raphael Montes e Grazi Massafera nas gravações de Uma Família Feliz
Foto: Victor Prata Vieira / Velvet

Mesmo certo de que hoje não escreveria o livro do mesmo jeito, ele se recusou a mudar qualquer palavra no relançamento da obra, quase dez anos depois. “O autor do livro é o Raphael daquela época”, justifica. O objetivo de então era apenas dar vazão a algumas de suas angústias adolescentes e impressionar outros jovens como ele,  que sentiam algum tipo de catarse ao ver jorrar sangue  em filmes como “Jogos Mortais”.

Aliás, a experiência de assistir ao longa de terror no cinema, aos 14 anos, levado pela avó materna, é considerada vital para sua formação enquanto autor, não apenas pela brutalidade das cenas, mas também pelo contexto por trás das câmeras. Estavam ali dois diretores jovens, James Wan e Leigh Whannell, realizando uma obra sem depender de recursos milionários e causando um assombro em milhões de pessoas. Veio o estalo: dá pra provocar um efeito grande mesmo com pouco dinheiro envolvido. Era o empurrão que precisava.

Otimismo e autoconfiança

Raphael Montes nasceu no Méier, bairro carioca de classe média. Filho de um pai engenheiro e de uma mãe advogada que não tinham gosto particular pela literatura. Sua tia-avó foi quem lhe apresentou os livros de Agatha Christie e Arthur Conan Doyle, criador do personagem Sherlock Holmes. Ele cresceu ouvindo em casa que trabalhar com arte no Brasil só era possível para  quem vinha de uma família já inserida no meio.

Cursou Faculdade de Direito na UERJ e, entre  uma aula e outra, trabalhava na trama de “Suicidas”, inicialmente pensada para ser um roteiro de filme,  depois transformada em livro por se tratar de um  formato que só exigiria de Montes criatividade e folhas  em branco para preencher. Foi descoberto quando  enviou um livro para um prêmio literário e impressionou os organizadores.

Essa autoconfiança do jovem sem medo de compartilhar sua arte com o mundo é um traço de sua personalidade. “Eu nunca duvidei de mim”, assegura. “Meus amigos de adolescência hoje me falam que tudo aquilo que parecia soberba e ambição desmedida da minha parte era, na verdade, apenas determinação.”

Antes de escrever o próximo romance eu sempre  penso na história que quero contar. Quem são  os personagens que vão viver essa história é algo que eu vou descobrindo depois.

Montes se define como um otimista. Nas vezes em que conversamos e nas suas aparições em público e nas redes sociais ele traz sempre um sorriso no rosto e um ar solar, simetricamente inverso ao tom sombrio de suas criações. Conta piadas, é fã de carnaval e rodas de samba, além de se arriscar no palco de karaokês.

“Eu brinco que decepciono os leitores que me conhecem porque não tenho no dia a dia hábitos soturnos”, diz. Vestir um figurino diferente do seu para chamar a atenção do público com seu talento é também, afinal, uma das características de um mágico.

Raphael Montes é autor do livro A Mágica Mortal
Foto: Arquivo Pessoal / Velvet

4 DICAS PARA COMEÇAR A ESCREVER

LEIA MUITO

“Eu não acho que você tem que ter lido todos  os clássicos, mas entender sobre o que quer.  Eu li muito romance policial para escrever os meus.”

ESCREVA MUITO

“É escrevendo muito que você aperfeiçoa  e tem a liberdade de errar para aprender.”

MOSTRE

“Mostro meus livros para dez pessoas enquanto estou escrevendo. Pessoas não ligadas à literatura, amigos que eu sei que vão dizer a verdade. Eu escuto e mudo o que achar que faz sentido. Minha vaidade é com o produto final, não com o processo.”

NÃO SE LEVE TÃO À SÉRIO

“As pessoas às vezes dão muito peso para si mesmas. Eu levo o trabalho à sério, mas a mim não tanto.” 

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Fonte: Velvet Conteúdos da revista Velvet
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