Em cartaz até o dia 27 de novembro, no Teatro Ziembinski, na Tijuca, Rio de Janeiro, com o monólogo Selva: Solidão, o ator Vinicius Teixeira vive três personagens distintos que se encontram em meio a temas delicados que rondam a comunidade LGBTQIAPN+. Em entrevista à Contigo!, o artista fala sobre o monólogo e destaca a necessidade de trazer questões da comunidade LGBTQIAPN_ para os palcos.
Acompanhe a entrevista na íntegra
O surgimento de Selva: Solidão
"A peça SELVA: SOLIDÃO começou a tomar forma durante a pandemia, quando eu e o Jefferson Almeida, que é dramaturgo do espetáculo junto comigo, começamos a escrevê-la. Mas ela vinha tomando conta dos meus pensamentos antes disso, quando comecei a reparar tanto em mim quanto nos meus amigos que são parte da comunidade LGBTQ+, comportamentos extremamente danosos que são fruto dessas existências tão reprimidas pelo mundo patriarcal. Percebi que esses comportamentos mais nos afastavam do que criavam uma comunidade acolhedora, com abertura para o diálogo, para a vulnerabilidade. A partir dessas percepções, senti a necessidade de trazer essas questões para o palco para que elas pudessem ser pensadas tanto por mim e pela equipe, quanto pelas pessoas que assistissem à peça."
A temática da solidão dentro da comunidade LGBTQIAPN+
"Uma das principais motivações de explorar a solidão LGBTQIAPN+, foi de fato criar um alerta para a forma como estamos nos relacionando para que, a partir do entendimento dos danos que temos causado uns aos outros dentro da comunidade, possamos rever esses comportamentos. Percebo que muitas pessoas nem conseguem entender de fato o que faz com que esse sentimento de solidão seja tão presente e constante. No fim das contas, as estruturas que nos reprimiram durante toda a vida, continuam minando as nossas relações mesmo quando nos assumimos e passamos a nos relacionar bem com o fato de sermos pessoas LGBTQIAPN+.
A peça tem o intuito de ser esse espelho para que, através do que acontece nas vidas e relações dos três personagem, possamos reconhecer as nossas ações com mais nitidez e, a partir disso, escolher o que queremos ou não ser."
A construção dos três personagens
"O processo de criação foi complexo. São três personagens com idades, vivências e experiências completamente diferentes. E eu, sozinho em cena, preciso dar a ver não só essas personas, mas também os cenários onde esses encontros acontecem.
O Jefferson Almeida, diretor da peça, propôs desde o início que esses personagens também pudessem dar voz ao ator Vinicius que está em cena. Dessa forma, mais do que criar uma composição que os afastasse de mim, busquei entender como essas vozes cabiam no meu corpo. O Jeff guiou esse caminho com tanta generosidade que, juntos, fomos entendendo as expressões desses personagens com as complexidades que eles merecem ter."
Dificuldades do processo
"Acho que a maior dificuldade é lidar com todas as exigências técnicas da peça, e equilibrar tudo isso com as emoções que o texto me causa.Os personagens se encontram, dialogam, brigam, transam. Tem transições de um para outro que acontecem muito rapidamente, e isso me exige uma atenção grande para que eu consiga operar esses movimentos de forma que o público consiga acompanhar a história. Além disso, a temática mexe comigo de uma forma muito direta, e é impossível negar a emoção que surge em determinados momentos. Procuro sempre ter um cuidado para deixar que essa emoção apareça, mas equilibrando-a também com as necessidades técnicas que o espetáculo exige."
Semelhanças do ator com os personagens
"Em algum lugar, os três personagens carregam algo de mim. Essas composições são muito borradas tanto com o meu corpo, quanto com os meus sentimentos e pensamentos. Eles são representações extremas do homem gay contemporâneo e acho que, nas sutilezas, todo homem gay se identifica um pouquinho com traços dos três.
O Antônio com certeza foi o mais difícil. Ele é um senhor de idade, e precisei de um pouco mais de atenção para conseguir fazer com que meu corpo desse espaço para esse personagem que tem um tempo, uma expressão física e uma voz totalmente diferentes das minhas. Além disso, o Antonio tem uma complexidade gigante na relação dele com a própria sexualidade, com a vida, com a idade. São vivências distantes das minhas. Com certeza foi o personagem com mais obstáculos a serem enfrentados pra chegar num equilíbrio satisfatório em cena."
Diferenças e semelhanças entre os personagens
"É uma delícia poder estar em cena dando vida a três personagens tão complexos e diferentes, mas que carregam angústias e questionamentos em comum. É muito interessante ver como essas questões semelhantes entre eles, se manifestam de formas tão diferentes no comportamento de cada um.
Os três estão lidando com a solidão e com os efeitos causados pelo mundo patriarcal nas suas existências, e acho que essa angustia, esse sentimento de não pertencimento, essa falta de algo que não se sabe o que é, é o que se assemelha nos três.
As expressões dessas angustias são o que os diferenciam. Enquanto o Luiz Felipe, que é um garoto de programa, segue acreditando na possibilidade de afeto, o Jonathan, um atendente de fast food, construiu barreiras tão rígidas que a possibilidade do afeto é dolorosa para ele. Já o Antônio, um professor universitário aposentado, só consegue dar vazão ao seu desejo e permitir que seu corpo viva as experiências que lhe dão prazer, no escuro, escondido. Ele tem uma relação de negação intensa com a sua sexualidade."
Mensagem que pretende transmitir para o público
"Essa é a minha maior motivação para estar em cena todos os dias. Realmente acredito que, ao assistir a peça, pessoas LGTQIAPN+ podem se ver, se identificar, e agir de forma mais ativa no dia a dia para modificar certos padrões de comportamentos que afetam negativamente não só a elas mesmas, como também a outros membros da comunidade. É uma peça que nos provoca a agir! A por em prática outras possibilidades de se existir enquanto pessoa quer. Que nos propõe recriar imaginários coletivos a partir das nossas atitudes. Uma peça que, ao refletir sobre a nossa dor, instiga a nossa abertura para o vulnerável, para o afeto, para o cuidado."
Detalhes sobre os bastidores
"A sala de ensaio sempre é muito especial para mim. Sou um ator que gosta do ensaio, que sente prazer na pesquisa, na investigação. Essa sala de ensaio, em especial, era repleta de afeto, sensibilidade, carinho. Na presença do Jeff, do Victor Seixas (assistente de direção), e do Daniel Chagas (preparador de elenco), eu me sentir instigado, provocado, mas também acolhido, cuidado. Tivemos conversas extremamente complexas sobre as temáticas, recebemos amigos para compartilhar o processo. Foi realmente um processo delicioso e muito feliz.Outras memórias que me enchem de felicidade, são as dos encontros com o público no final das apresentações. Ver como a peça chegou nas pessoas, ouvir sobre as reflexões que a peça gerou, estar aberto a esse diálogo e poder continuar investigando essa temática a partir desse encontro com o outro, tem sido muito especial."
Existe algum trabalho 'queridinho'
"O do momento sempre é o queridinho (risos). Nesse momento o SELVA tem sido meu relacionamento sério! Mas estou muito animado com a estreia do filme O MELHOR AMIGO, um longa que filmei no ano passado e estreia em novembro no Festival Mix Brasil, e em janeiro nos cinemas. É um trabalho pelo qual tenho muito carinho também, e estou louco pra assistir."
Projetos futuros
"Pretendo seguir fazendo o SELVA: SOLIDÃO por algum tempo, gostaria que essa peça chegasse no maior número de pessoas possível para que as reflexões que ela propõe possam ter um alcance cada vez maior.Sigo também trabalhando com audiovisual, que se tornou uma grande paixão. Em 2025 estreia nos cinemas o longa O MELHOR AMIGO, do diretor Allan Deberton, e estou animado pra ver esse filme nas telonas."