"Este plano vai funcionar", prometeu o presidente Nicolás Maduro aos venezuelanos durante um pronunciamento na televisão na última sexta-feira. Ele se referia a seu novo programa de recuperação econômica, estratégia para conter a inflação galopante que há anos prejudica a economia do país.
Entre as medidas há desde a introdução de uma nova moeda - o bolívar soberano, com cinco zeros a menos que o bolívar forte - até a abertura de 300 casas de câmbio, uma tentativa de diminuir a disparidade entre os dólar oficial e o vendido no mercado paralelo.
O governo também aumentou o salário mínimo integral em quase 35 vezes, criou uma criptomoeda lastreada em suas reservas de petróleo e prometeu gastar menos e arrecadar mais para reequilibrar as finanças.
A alta constante e acelerada dos preços asfixia diariamente a população e dificulta a retomada do crescimento da Venezuela, que está mergulhada em uma profunda crise política e econômica. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estima que a inflação atinja 1.000.000% (um milhão por cento) em 2018.
Para o governo de Maduro, as causas do problema estão relacionadas à "guerra econômica" provocada pelos constantes aumentos pelos Estados Unidos de suas tarifas de importação, às "máfias colombianas" e à "oligarquia", a quem o presidente acusa de práticas de contrabando e especulação para inflar os preços e obter lucros desmensurados.
Opositores e analistas de tendência liberal acreditam que a raiz da crise está ligada à má gestão de Maduro e afirmam que a proposta divulgada no fim da semana passada não apenas deve fracassar, mas contribuir para agravar a escalada de preços.
A BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, detalhou as principais mudanças na economia anunciadas por Maduro.
1. Nova moeda
Uma das apostas do governo é a introdução de uma nova moeda, o bolívar soberano, que começa a circular nesta segunda-feira.
A hiperinflação fez com que o bolívar forte perdesse gradativamente seu valor. Notas com as quais, há dois anos, era possível fazer as compras da semana hoje não valem quase nada. Muitas vezes é possível encontrá-las jogadas pela rua.
O bolívar forte venezuelano está tão desvalorizado no mercado paralelo que é possível comprar cerca de 66 milhões com US$ 1 (R$ 3,9).
A resposta do governo para a desvalorização é o bolívar soberano, que terá um valor nominal com cinco zeros a menos e um novo cone monetário (conjunto de moedas) que, segundo Maduro, ajudará a estabilizar os preços.
Mas o lançamento de uma nova moeda, no entanto, ainda gera dúvidas. Inicialmente, o presidente havia anunciado a entrada em circulação do bolívar soberano em junho, mas logo adiou o plano.
O economista Asdrúbal Oliveros, da Ecoanalítica, acredita que "ajudará, ao menos, a racionalizar a contabilidade das empresas".
No cenário de hiperinflação, transações cotidianas na maioria das companhias acabam atingindo montantes bilionários - o que dificulta o registro das operações, já que os programas de gestão da contabilidade nem sempre permitem o uso de tantos zeros.
O alívio, contudo, deve ser temporário, avalia Oliveros, que é cético em relação a eficácia da introdução da nova moeda.
O economista-chefe da Torino Capital, Francisco Rodríguez, que assessorou um dos rivais de Maduro nas eleições de maio deste ano, afirma que "não se pode acabar com hiperinflação sem um programa de disciplina fiscal e monetária, além de um compromisso crível para diminuir a taxa de criação de moeda".
Maduro prometeu que o Estado venezuelano pararia de imprimir dinheiro (e, por consequência, cortaria uma das fontes que alimentam o processo inflacionário). Para Rodríguez e Oliveros, isso seria um passo na direção certa, mas eles não veem o presidente disposto a fazer isso de fato.
O perigo é que, se a principal fonte do problema não for enfrentada, a hiperinflação não será estancada. Isso faria com que o bolívar soberano, em poucos meses, ficasse tão desvalorizado quanto o bolívar forte está agora, na avaliação dos especialistas.
2. Uma criptomoeda que vale o preço do petróleo
"Eles dolarizam os preços, agora eu 'petrolizo' o salário", disse o presidente durante o anúncio.
Essa é a lógica por trás do petro, a criptomoeda criada pelo governo venezuelano para driblar as sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia e para dar estabilidade ao novo bolívar. Segundo o presidente venezuelano, o petro vai "proteger a capacidade de compra dos venezuelanos".
O governo fixou o valor de cada petro em US$ 60 (R$ 234), valor ligeiramente menor que o preço médio do barril de petróleo venezuelano no mercado internacional. Decidiu-se ainda que cada petro vai valer 3.600 bolívares soberanos.
A medida é uma tentativa de usar a enorme riqueza petrolífera da Venezuela para respaldar o petro e, por extensão, o novo bolívar soberano.
"A economia será ancorada em uma moeda forte como o petro, que não tem emissão", declarou o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez.
Pilar fundamental das mudanças anunciadas, o petro também gera muitas dúvidas.
Luis Vicente León, presidente da Datanálisis, a principal empresa de pesquisa do país, diz que "o governo reconheceu a necessidade de ancorar a economia a uma variável externa, como o preço internacional do petróleo". Mas lamenta que o faça de forma "camuflada, usando como meio algo bastante comprometido em termos de confiança e credibilidade como o petro".
Rodríguez, da Torino Capital, destaca como principal fragilidade do petro o fato de ele "não ter preço de mercado" e, por consequência, não gerar confiança.
Ele acrescenta ainda que não se sabe em que condições ele pode ser negociado e que a produção petroleira tem enfrentado um declínio nos últimos anos. "Se o governo levasse o petro a sério, deveria estar disposto a doar US$ 60 a quem aparecer com um petro", diz ele.
3. Salário mínimo multiplicado por 35
Maduro decretou também um aumento sem precedentes no valor do salário mínimo integral.
Fixado em 5,2 milhões de bolívares fortes - valor que combina um salário mínimo de 3 milhões de bolívares e um bônus de alimentação de aproximadamente 2 milhões -, ele foi elevado a 180 milhões, valor quase 35 vezes maior e o equivalente a US$ 30 (R$ 117) no câmbio do mercado paralelo.
O presidente anunciou que o Estado vai assumir durante 90 dias os custos do aumento salarial para as "pequenas e médias empresas", mas não deu detalhes de como isso será feito.
O ministro da Comunicação sustenta que a medida será implementada "sem aumento do déficit fiscal".
Oliveros teme que ela "jogue combustível na inflação": com mais dinheiro no bolso, as pessoas naturalmente devem consumir mais, o que pode desencadear um novo ciclo de aumento de preços.
Há consenso de que os salários, totalmente defasados pela hiperinflação, deveriam aumentar. Feito, por decreto, contudo, o reajuste "não serve para nada", avalia o economista, e será contraproducente. Ele prevê uma "etapa muito mais agressiva da hiperinflação" como consequência de uma "forte desvalorização e expansão monetária por meio de salários e bônus".
4. Gastar menos e arrecadar mais
De acordo com todos os economistas consultados pela BBC News Mundo, o déficit público descontrolado é o problema a ser resolvido se a Venezuela quiser sair da crise. O Estado venezuelano gasta muito mais do que arrecada.
Analistas internacionais estimam que a diferença entre arrecadação e despesa é o equivalente a 20% do PIB (Produto Interno Bruto).
O governo tem compensado o déficit com emissão de moeda, o que tende a agravar a hiperinflação, na avaliação de muitos economistas.
Agora, Maduro se comprometeu com o objetivo de reduzir o déficit a zero. Ele assegura que o ponto forte do plano é que ele não depende de emissão de dinheiro físico, já que está baseado no petro, uma criptomoeda.
Para Luis Vicente León, a proposta é "interessante", mas difícil de ser aplicada - além de contraditória, diante do aumento expressivo dos salários.
Alejandro Grisanti, também da Ecoanalítica, se diz cético diante da política fiscal expansiva pela qual o governo tem demonstrado preferência. "Me custa acreditar que Nicolás Maduro tenha disciplina para controlar o gasto público".
A outra receita contra o déficit prometida pelo presidente venezuelano é aumentar arrecadação subindo impostos. "Na Venezuela, os ricos sonegam impostos", repetem autoridades.
O problema, neste caso, pode ser a dificuldade de implementar mecanismos para assegurar o pagamento de impostos pelos mais ricos.
5. Abertura de 300 casas de câmbio
Desde 2003, a Venezuela vive sob um rígido sistema de controle cambial. O Estado apenas permite compra e venda de divisas através de um modelo de leilão restrito, conhecido como Sistema de Divisas Complementares (Dicom).
Com uma demanda bem maior que a oferta oficial, porém, apenas 10% dos dólares que circulam na Venezuela passam pelo sistema. "A grande maioria das transações é feita no mercado paralelo a um preço muito mais alto", critica León, do Datanálisis.
A taxa de câmbio oficial resultante dos leilões mostra com frequência um bolívar muito mais valorizado do que nas ruas.
O governo atribui a diferença à ação de sites estrangeiros, como o DolarToday, que os venezuelanos usam como referência para saber o valor real da moeda dos EUA. Maduro diz que os dados são distorcidos e que os valores são propositalmente inflados para que alguns poucos lucrem com a venda de dólar.
A elevada demanda por dólares e os poucos canais legais para obtê-los fazem seu valor disparar no mercado paralelo.
Para economistas, o governo reconheceu o valor do dólar no mercado paralelo ao anunciar a criação de um mercado de câmbio livre com abertura de 300 casas de câmbio autorizadas e a reforma da Lei de Ilícitos Cambiais, que regula o sistema atual.
León argumenta que essa é "a mudança mais importante" de todas, porque permitiria que o setor privado operasse com maior normalidade.
Mas ele e outros especialistas alertam que será preciso esperar para ver se a liberalização do mercado de câmbio é total, já que o governo fez anúncios semelhantes no passado que acabaram não sendo cumpridos.
Se não o fizer desta vez, advertem os especialistas, a depreciação da moeda venezuelana continuará e, com ela, o círculo vicioso da hiperinflação.