Para a maioria das pessoas, trabalho e viagem são experiências distintas. Você trabalha sem pausas durante um ou dois anos, economiza algum dinheiro e viaja de férias. Depois, volta para casa e um novo ciclo de trabalho sem pausas se inicia até você tirar férias novamente.
Não há nada de errado em se viver assim, porém, desde que o trabalho remoto se tornou uma opção viável em algumas profissões, trabalho e viagem se tornaram uma experiência integrada para um grupo de profissionais conhecidos como nômades digitais. Fiz parte deste grupo por seis anos; entre o começo de 2017 e o primeiro semestre de 2023.
Comecei minha jornada nômade oferecendo serviços como redator freelancer. Logo depois vieram os cursos online, as palestras e os treinamentos in company e, conforme minha audiência foi crescendo, passei a produzir conteúdos para grandes marcas no papel de influenciador.
Além disso, lancei um livro sobre nomadismo digital em 2019 que vendeu razoavelmente bem – e foi finalista do Prêmio Jabuti. Ou seja, tenho mais de uma fonte de renda – o que me demanda algumas boas horas de trabalho.
Equilíbrio da vida pessoal e profissional
Depois de um longo período de esgotamento físico e mental trabalhando como CLT, hoje consigo equilibrar perfeitamente minha vida pessoal e profissional. Nos últimos seis anos tive experiências incríveis em exatos trinta países. Explorei o México dos beatniks, segui os passos de Anthony Bourdain no Vietnã, dirigi motonetas envenenadas na Tailândia e na Indonésia e até morei num barco em Portugal.
Essas experiências, no entanto, foram realizadas durante o meu tempo livre – exceto pelo barco (e isso foi um erro). Nômades digitais, infelizmente, não são turistas em tempo integral. A gente trabalha. Pra caramba. A grande diferença é que durante nosso tempo livre podemos conhecer novas culturas, lugares e pessoas de diferentes nacionalidades.
Em linhas gerais, o que muda na relação trabalho versus viagem é que, ao contrário dos profissionais que precisam bater ponto todos os dias e esperar as férias para poder viajar, um nômade digital tem liberdade geográfica para desempenhar o seu trabalho de qualquer lugar do mundo que tenha um bom sinal de internet. E isso abre um mundo de possibilidades.
Algumas pessoas entendem isso – mas outras realmente não. É por isso que escrevi um livro sobre o tema.
Desmistificando a vida de nômade digital
Quando recebi o convite da editora Autêntica Business para escrever um livro sobre nomadismo digital, enxerguei uma oportunidade para desmistificar algumas coisas a respeito do tema (como a foto desta página, por exemplo), mas, principalmente, educar os aspirantes a nômades digitais através de um guia baseado em minhas próprias experiências e de outros nômades brasileiros.
Em "Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser", mostro o passo a passo para aqueles que estão pensando em abandonar a vida de escritório. Você não encontrará fórmulas mágicas ou receitas de bolo, mas sim uma visão honesta de quem vive isso na prática.
Desmistificando o estereótipo de “mochileiro itinerante”, revelo como se preparar para viver todos os lados desta jornada: o lado glamouroso das viagens e experiências exóticas e também o lado das dificuldades em lidar com orçamentos apertados, contratempos, trabalho remoto, além de surpresas nada agradáveis.
Para que não soasse como uma autobiografia, entrevistei outros nômades digitais de diferentes perfis. Tem nômade que viaja sozinho, casais nômades com e sem filhos e até uma nômade que viaja com seus bichinhos.
Viajar o mundo não resolverá todos os seus problemas
Há um grande fetiche sobre esse negócio de viajar o mundo e trabalhar ao mesmo tempo, mas é preciso ter cuidado com projeções. Se você está infeliz no seu trabalho e pensa que só será feliz quando se tornar um nômade digital, talvez deva repensar suas reais motivações. Eu sou muito feliz fazendo o que faço e viajando o mundo, mas não quer dizer que eu não tenha meus problemas e dias ruins.
Se você não se esforçar para entender o que te faz infeliz no trabalho, de preferência com a ajuda de um profissional, as viagens talvez só piorem as coisas.
Viajar, por si só, não curará mágicamente problemas sérios como depressão ou ansiedade. Não te fará superar o final de um relacionamento, nem te guiará para o seu propósito de vida. Não importa sua localização geográfica: se você tem um problema, lide com isso. As viagens podem até ajudar em tudo isso, mas não podem ser encaradas como solução. Não faça projeções quando o assunto é sua sanidade mental.
E, principalmente, tenha consciência de que mesmo atingindo seu objetivo de se tornar um nômade digital, aproveitando todas as vantagens que esse estilo de vida e trabalho traz, você terá seus dias ruins. A saudade da família e dos amigos, as barreiras linguísticas e até mesmo tecnológicas, como da vez em que fiquei cinco dias sem internet no meu apartamento na Sérvia na semana em que precisava entregar um projeto importante.
Ainda quer ser um nômade digital?
Bom, essa foi a dose de realidade. Uma tentativa de mostrar um pouco dos bastidores das fotos perfeitas que você vê no Instagram.
Se é isso que você realmente quer, após ter colocado todos os prós e contras na balança, vá em frente. O caminho nem sempre é fácil, mas o final vale a pena. Eu não trocaria os últimos seis anos da minha vida por nada; faria tudo de novo.
(*) Matheus de Souza é escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.