Uma administradora de negócios imobiliários está sendo acusada de desviar aproximadamente R$ 10 milhões das contas de 40 condomínios em São Paulo (SP). Em uma carta enviada aos síndicos, um sócio da empresa culpa a pandemia, "escolhas erradas" e revela que tentou até mesmo empréstimos com agiotas para evitar golpe.
A situação começou a ser notada pelos síndicos nos últimos dois meses, quando os demonstrativos de pagamento, que deveriam ser entregues pela administradora, começaram a atrasar e o sócio não respondia às tentativas de contato.
Há duas semanas, os síndicos dos condomínios administrados pela Fort House receberam um "recado" via malote, no lugar dos demonstrativos. Na carta, assinada pelo sócio-administrador João Carlos Caporicci Prudente da Silva, ele pede desculpas pelo sumiço do dinheiro e culpa a pandemia e "decisões erradas" pelo sumiço do dinheiro (leia ao fim da matéria o texto na íntegra).
"Muitas coisas aconteceram, enfrentamos a duras penas a pandemia do Covid-19, inclusive sendo internado logo no início da pandemia (fui entubado na UTI onde permaneci sob cuidados intensos por quase 30 dias), quando retorno enfrento dias conturbados com muitas limitações físicas e mentais, além de não ter percebido o estado depressivo que me encontrava, tendo tomado muitas decisões equivocadas, que compremeteram a saúde financeira da minha empresa e infelizmente de alguns clientes", escreveu o sócio em carta enviada aos síndicos.
Assim que recebeu a carta e percebeu que as contas do condomínio, que antes tinham cerca de R$ 437 mil, agora estavam zeradas, o síndico Ricardo Nascimento, do Edifício Acquária, no Jabaquara, procurou a Polícia Civil e registrou um boletim de ocorrência no 35° DP da capital, que irá acompanhar o caso.
O edifício Acquária, que tem 72 apartamentos era administrado pela Fort House desde 2017 e, antes disso, nunca havia tido problemas com as contas, segundo o síndico.
Ao Terra, a advogada Magna Silva, contratada para representar o edifício na Justiça, conta que um levantamento feito pelos síndicos de edifícios da região, que se conhecem, aponta que 40 edifícios podem ter sido lesados pelo golpe financeiro, resultando um prejuízo nas contas que, somadas, ultrapassariam os R$ 10 milhões.
A advogada diz que prepara uma ação de responsabilidade civil acumulada com perdas e danos para tentar reaver os valores na Justiça. Segundo ela, a estratégia é tentar chegar no patrimônio do sócio, antes que ele se desfaça de bens e valores enquanto o processo está em curso.
Ela, que representa apenas um edifício, não descarta a possibilidade de uma ação coletiva contra a empresa. "Não foi o caminho que a Acquária quis no momento, mas pode acontecer no futuro", disse.
Administradora com anos de mercado
A empresa Fort House, tem sede no bairro Jabaquara, na zona sul de São Paulo e, segundo seu site, está no mercado desde 1993. No entanto, em consulta com a Receita Federal, consta que o CNPJ foi aberto em 2012.
O único sócio da empresa é João Carlos Caporicci Prudente da Silva. O Terra não conseguiu encontrá-lo para obter um posicionamento.
Entre os serviços oferecidos aos condomínios, está o de administração de contas e pagamentos de dívidas.
"O condomínio terá sua própria conta bancária, podendo o síndico acessá-la 24 horas por dia. A prestação mensal de contas é enviada ao síndico, através da pasta contábil, a qual conterá o extrato bancário da conta do condomínio, além de todos os documentos comprobatórios de receita e despesa, facilitando a conferência dos recebimentos e cheques emitidos", diz o site oficial da empresa, que continua no ar.
Leia a carta enviada aos síndicos na íntegra:
"Prezado Ricardo,
Na qualidade de sócio administrador e diretor da Fort House Administradora de Condomínios, venho, através desta expor e esclarecer o que segue.
Há anos que somos administradores de seu condomínio, o que sempre me trouxe muita alegria e muita honra.
Em toda minha vida profissional me empenhei em buscar o melhor aos meus clientes, principalmente na área financeira, por ser minha especialidade e sempre foram minhas todas as decisões e escolhas dos investimentos, sendo o único responsável pela movimentação financeira do seu condomínio.
Muitas coisas aconteceram, enfrentamos a duras penas a pandemia do Covid-19, inclusive sendo internado logo no início da pandemia (fui entubado na UTI onde permaneci sob cuidados intensos por quase 30 dias), quando retorno enfrento dias conturbados com muitas limitações físicas e mentais, além de não ter percebido o estado depressivo que me encontrava, tendo tomado muitas decisões equivocadas, que compremeteram a saúde financeira da minha empresa e infelizmente de alguns clientes.
Sou totalmente responsável pelos meus erros com meus clientes e também com meus funcionários, que também foram diretamente afetados pelos meus atos e decisões erradas, pela má gestão das contas que me foram confiadas, e me sinto profundamente arrasado com a situação em que os coloquei neste momento.
Sinto muito por todo o mal que estou causando aos condôminos, mas as decisões erradas geraram um grande problema financeiro, que me obrigou a recorrer a empréstimos com agiotas e bancos, com altos índices de juros, fulminando completamente qualquer chance de eu conseguir quitar as dívidas. Preciso também esclarecer que não adquiri bens, não desviei dinheiro e tampouco enriqueci, mas o contrário, estou completamente falido.
Juntamente com esta carta, estou entregando as contas que estão por vencer e que não foram pagas.
Não há justificativa para minha conduta, mas não posso prejudicar ainda mais os meus clientes e funcionários.
Estou fechando a Fort House, encerrando as atividades. Dispensei todos os meus funcionários e o departamento jurídico também não atuará mais por minha empresa. Os advogados entrarão em contato caso tenham processos em andamento para que vocês decidam o melhor a se fazer.
As assembleias que estão agendadas infelizmente não terão a nossa presença. As cotas condominais do mês de abril/2023 também não serão emitidas, razão pela qual deverão buscar imediatamente outra administradora para realizar este serviço.
Com enorme dor na alma encerro esta carta, pedindo humildemente sinceras desculpas por todo o mal que estou causando a vocês.
João Carlos Caporicci."