BRASÍLIA - A Air Europa, empresa aérea do grupo espanhol Globália, indicou ao governo brasileiro que vai pedir autorização para operar rotas nacionais no País. A companhia solicitou registro na junta comercial de São Paulo, o primeiro passo para se constituir no Brasil, e sinalizou à cúpula da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que vai solicitar autorização de operação em breve.
A informação foi confirmada ao Estado pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e por uma fonte da Anac. Se seguir adiante com o plano, a Air Europa pode se tornar a primeira companhia aérea totalmente estrangeira a operar trechos domésticos. Empresas como a norueguesa Norwegian e a chilena Sky, que chegaram ao País recentemente, inauguraram somente rotas entre o Brasil e cidades no exterior.
O movimento só é possível porque ainda está em vigência a Medida Provisória 863. Editada em dezembro do ano passado, já no fim do governo Michel Temer, ela altera o Código Brasileiro de Aeronáutica, que limitava a participação de estrangeiros a até 20% do capital das companhias que operam no Brasil. Com a MP, eles ficaram liberados a ter até 100% das aéreas locais.
Atenta ao potencial do mercado brasileiro, a Globália, um dos maiores grupos de turismo da Europa, com braços em hotelaria e aviação, tenta se antecipar a rivais estrangeiras. O mercado brasileiro é um dos maiores do mundo em número de passageiros transportados, mas é explorado nacionalmente por apenas quatro companhias: Gol, Latam, Azul e Avianca - a última está em recuperação judicial e pode desaparecer.
Apesar do interesse da Globália em trazer a Air Europa ao Brasil, o grupo espanhol tem dois problemas à frente. O primeiro - e mais urgente - é a aprovação pelo Congresso da medida provisória que abriu o setor aos estrangeiros. O texto precisa passar pela Câmara e pelo Senado até quarta-feira ou perderá a validade. O prazo está apertado e o governo vem tendo dificuldades para encaminhar suas pautas no Congresso.
"A Air Europa fez o registro agora para garantir o prazo, mas eles ainda vão montar o plano de investimento e tudo vai depender da aprovação no Congresso", afirmou o ministro do Turismo, que esteve na Espanha com executivos da Globália há duas semanas para tratar da possibilidade de vinda da empresa ao País.
Alterações no texto
O segundo problema é a forma como o novo marco legal será enfim aprovado pelos parlamentares. O governo está preocupado com os efeitos de algumas das alterações feitas ao texto pelo Congresso, que têm potencial de afugentar as companhias de baixo custo, conhecidas pelo termo inglês "low cost".
A comissão especial que apreciou a medida provisória incluiu no texto o fim da cobrança por bagagens, liberada em 2016. Além disso, estabeleceu a exigência de que aéreas estrangeiras que se instalem no País destinem 5% de seus voos para trechos regionais por, pelo menos, dois anos.
Ao modificar a proposta, os parlamentares argumentaram que os preços das passagens não baixaram desde que a cobrança por bagagens foi estabelecida. Para eles, é preciso aproveitar a abertura do mercado ao capital internacional para incentivar a aviação regional. Hoje, há regiões do País que não são cobertas por rotas regulares. Em algumas localidades, os preços são tão altos que a população, na prática, fica sem acesso ao serviço, afirma o senador Eduardo Braga (MDB-AM).
"Um País continental como o nosso não pode ter uma política para o setor de aviação que não seja economicamente viável e socialmente justa", afirmou o senador. "Para abrir 100% às estrangeiras, é preciso uma contrapartida. Ou os acionistas das empresas ficarão muito bem e os passageiros seguirão muito mal", disse.
Posições contrárias
Governo e companhias aéreas veem nas duas medidas um risco à atratividade do novo marco legal. A Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta) disse que "recebeu com preocupação" as mudanças. Em sua avaliação, elas podem ser um obstáculo ao aumento da concorrência "no momento em que uma das empresas aéreas nacionais se encontra em processo de recuperação judicial".
A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) disse que as alterações no texto podem "elevar ainda mais os custos de operação no Brasil, tornando as viagens cada vez mais caras e caminhando na direção oposta da atração de empresas aéreas adicionais e de baixo custo para o País". A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) também se manifestou contra as alterações no texto.
O secretário nacional de Aviação Civil substituto do Ministério da Infraestrutura, Carlos Eduardo Prado, disse que essas exigências podem pesar na decisão das companhias de entrar no País. "Trazer uma empresa aérea ao País não é uma decisão nem simples nem barata. A exigência de rotas regionais impõe à companhia ter em sua frota mais de um tipo de aeronave e fazer, de partida, investimentos para acesso a mercados específicos que, talvez, ela só fizesse mais à frente", afirmou.
Segundo ele, o fim da cobrança por bagagem não é uma condição "insuperável" para que as estrangeiras venham ao País, mas dificulta a criação de um ambiente de negócios amigável para as empresas, especialmente as que operam no segmento "low cost". "Quando olhamos para nossos pares, vemos que nenhum país relevante adota essa prática (da franquia de bagagem embutida na passagem)", disse.
Votação
As mudanças feitas pela comissão especial causaram tanta apreensão que o governo cogitou abandonar a medida provisória e deixá-la "caducar". A Casa Civil chegou a orientar as diferentes pastas envolvidas no projeto sobre essa intenção e sinalizou ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não gostaria de colocá-la para votação. O plano era trabalhar em um projeto de lei que também versa sobre as aéreas e que está em tramitação no Congresso.
O governo, porém, mudou de ideia e decidiu insistir na aprovação do texto. A avaliação é a que a medida é essencial para deslanchar investimentos no setor. A intenção, agora, é convencer os parlamentares a retirar, em votação no plenário, as duas mudanças que são vistas como prejudiciais ao setor.
O ministro do Turismo disse que vai se empenhar pessoalmente no início da próxima semana para conseguir um acordo. O senador Eduardo Braga adiantou, porém, que não vai mudar de posição e que seus argumentos têm apelo junto aos colegas no Congresso. "Enquanto eu estiver aqui, não mudarei de opinião", disse.
Procurada, a Anac informou que ainda não recebeu pedido de autorização de operação da empresa. O representante da Air Europa no Brasil não retornou os contatos da reportagem.