O impacto da guerra em Gaza já pode ser visto na economia de Israel.
De acordo com dados oficiais divulgados pelo Escritório Central de Estatísticas de Israel em 19 de fevereiro, a produção econômica contraiu consideravelmente nos últimos meses de 2023.
O Produto Interno Bruto (PIB), indicador-chave da riqueza de um país, caiu cerca de 5% no quarto trimestre do ano passado, quando o conflito com o Hamas começou, em relação aos três meses anteriores.
O número surpreendeu especialistas, que disseram que os resultados foram "muito piores" do que o esperado. Uma equipe de analistas da Bloomberg estimava uma queda anual média de no máximo 10,5%.
O consumo e o investimento em bens de capital fixo são as áreas mais afetadas.
Soma-se a isso a decisão da agência de crédito Moody's de rebaixar a nota de crédito do país no início de fevereiro, argumentando riscos políticos e fiscais, além de um suposto aumento da fragilidade das instituições com a guerra em Gaza.
Foi a primeira vez que a Moody's rebaixou a classificação de Israel, o que foi considerado um grande golpe para a imagem internacional do país, já que investidores utilizam a nota para calcular o risco de investir em determinados lugares.
A decisão da agência de crédito foi questionada pelas autoridades israelenses.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que a economia de seu país "é forte" e que a classificação "não tem nada a ver com a economia, mas se deve inteiramente ao fato de que estamos em guerra".
"A classificação vai subir novamente no momento em que ganharmos a guerra, e vamos ganhá-la", acrescentou.
A BBC tentou entrar em contato com autoridades do governo israelense para obter um panorama oficial da situação econômica, mas não recebeu resposta.
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A guerra entre Israel e o Hamas teve início em 7 de outubro, quando o grupo radical islâmico lançou um ataque sem precedentes contra Israel, deixando 1.200 mortos. Mais de 30 mil pessoas já morreram na ofensiva israelense em Gaza que se seguiu.
Apesar da forte queda do PIB entre outubro e dezembro, a economia de Israel cresceu 2% no ano de 2023.
Antes dos ataques de 7 de outubro, esperava-se que crescesse 3,5%.
Assim, tendo em vista a atual situação, alguns analistas alertam para o que pode acontecer em 2024.
Liam Peach, economista de mercados emergentes da Capital Economics, diz que parece provável que as perspectivas de crescimento do país para este ano atinjam "um dos índices mais baixos já registrados".
Colapso no consumo
Segundo os dados divulgados pelo Escritório Central de Estatísticas de Israel, a queda do PIB foi impulsionada principalmente pelo colapso no consumo interno, que caiu 26,9%.
De acordo com Eran Yashiv, professor de economia da Universidade de Tel Aviv e pesquisador do Centro de Macroeconomia da London School of Economics (LSE), isso se deve essencialmente à perda de confiança das pessoas em tempos de guerra.
"As pessoas tendem a gastar menos dinheiro no consumo regular; economizam mais. Também não compram bens duráveis durante uma crise como essa, como, por exemplo, carros, móveis ou eletrodomésticos", disse Yashiv à BBC.
O Escritório Central de Estatísticas ressaltou que a queda no PIB se dá em um momento em que cerca de 250 mil pessoas foram chamadas para lutar na guerra, abandonando seus postos de trabalho e negócios.
"Há centenas de milhares de pessoas que não estão trabalhando e não podem contribuir para a produção do país", disse Josep Comajuncosa Ferrer, professor de economia da instituição acadêmica Esade.
Isso gerou uma escassez de mão de obra.
"O mercado de trabalho em Israel passou por muitas mudanças desde o início do conflito com o Hamas. Lugares estão sofrendo com a falta de mão de obra porque muitas pessoas, especialmente jovens, entraram para o exército", disse Yashiv.
"A isso temos que somar a população deslocada no norte, na fronteira com o Líbano, e do sul, na Faixa de Gaza. Muitos perderam o emprego, pelo menos temporariamente, e não podem mais continuar trabalhando onde estão", acrescenta.
Além disso, muitos trabalhadores palestinos não vão mais para Israel.
"Em tempos de paz, há muitos palestinos da Cisjordânia que atravessam para Israel para trabalhar. E neste momento, por razões de segurança, há muitas restrições. Como resultado, a atividade laboral cai", explica Josep Comajuncosa Ferrer.
Um relatório publicado pelo think tank israelense Taub Centre afirma que, segundo informações provenientes de diversas instituições oficiais, cerca de 20% dos trabalhadores se ausentaram temporariamente de seus postos de trabalho em outubro de 2023.
Esse número, no entanto, vem diminuindo com o passar dos meses.
Investimentos e setor imobiliário
O investimento em bens de capital fixo é outra área fortemente atingida pela guerra, com queda de 67,8% no quarto trimestre, segundo dados do Escritório Central de Estatísticas.
A maior queda foi percebida em investimentos residenciais, como a compra de casas ou apartamentos, o que intensificou uma crise no setor imobiliário, segundo especialistas.
"Por que o investimento está caindo? Porque há uma incerteza enorme. Em tempos de guerra, ninguém está ansioso para comprar uma casa", explica o acadêmico.
A situação se agrava quando se leva em conta que a falta de mão de obra também afetou a área da construção.
"O mercado imobiliário está passando por uma grande crise. E muitas pessoas estão envolvidas, tanto vendedores quanto compradores, construtoras, empresários e bancos cujos empréstimos podem ser afetados. É um setor muito importante da economia", diz Eran Yashiv.
Essa crise do setor imobiliário preocupa os especialistas. Amir Yaron, governador do Banco de Israel, disse que "as restrições de oferta na indústria da construção e a necessidade de habitação alternativa para os que se vêem obrigados a deixar suas casas são fatores que terão impacto na evolução do mercado imobiliário no futuro".
Yaron citou outras áreas de preocupação para Israel na esfera econômica.
Ele afirmou que o país está em guerra "com a inflação ainda acima da meta" e alertou para o desemprego.
"Por causa da guerra, o índice geral de desemprego, que inclui funcionários que foram demitidos, disparou", disse.
Empresas de tecnologia: o motor do crescimento israelense
Ainda assim, a economia de Israel conseguiu mostrar alguns bons sinais nos últimos meses.
O Banco Central do país, por exemplo, afirmou que as compras com cartão de crédito, que caíram significativamente durante as primeiras semanas da guerra, já mostram sinais de recuperação, o que indica que o consumo apresenta sinais de melhora.
Algo semelhante acontece com o mercado de trabalho, com casos de reservistas voltando a seus postos de trabalho.
Mas uma das maiores preocupações do setor empresarial israelense tem a ver com a área de tecnologia, que representa 17% do PIB e é um forte motor de crescimento da economia do país.
Em 2023, a captação de recursos por empresas de tecnologia diminuiu consideravelmente em comparação com 2022, explica Eran Yashiv.
Para alguns especialistas, a guerra pode continuar intensificando essa tendência.
"Se Israel estiver em guerra ou no caos geopolítico durante este ano e no próximo, suspeito que muitos investidores estrangeiros desistirão de Israel e incentivarão as empresas de tecnologia a deixar o país", disse Eran Yashiv.
"E se isso acontecer, a economia estaria com problemas e poderia tornar-se muito, muito mais fraca", acrescentou.
Josep Comajuncosa Ferrer concorda. "O setor de tecnologia exige mobilidade de pessoas e capital, pois os investidores entram e saem com facilidade e rapidez. E essa mobilidade pode ser restringida pela guerra", diz.
O que esperar
Ainda assim, o Banco de Israel insistiu que a economia do país, avaliada em US$ 500 bilhões, é "forte o suficiente" para resistir às marcas deixadas pela guerra.
"O alto nível de reservas cambiais do Banco de Israel, que giravam em torno de US$ 200 bilhões pouco antes da guerra, nos dá margem de manobra para manter a estabilidade da economia e, ao mesmo tempo, reduzir a incerteza", disse o governador Amir Yaron.
Eran Yashiv, no entanto, insiste que tudo depende do que vai acontecer nos próximos meses. "Se a guerra acabasse agora, acho que, no longo prazo, o sofrimento da economia não seria considerado muito profundo. Mas se continuar ou escalar para outras frentes, poderia sofrer um prejuízo enorme", diz.
Já o acadêmico Josep Comajuncosa Ferrer alerta que "se o conflito continuar, será muito difícil para Israel manter o funcionamento de sua economia".
"Exigiria uma ajuda muito alta do setor público a empresas que vêem que sua atividade piorou", diz.
De qualquer forma, o governo de Benjamin Netanyahu está decidido a continuar a ofensiva em Gaza, independentemente do custo econômico.
Foi o que afirmou o ministro da Economia e Indústria, Nir Barkat, referindo-se especificamente a um possível risco de um maior déficit comercial.
"Estamos determinados a vencer a guerra. Vamos vencer a guerra, nada importa", disse ele à agência de notícias Reuters em 26 de fevereiro.
"Acho que quando as pessoas olham para a economia de Israel, querem ter certeza, em primeiro lugar, de que somos um país seguro", concluiu.