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As consequências de curto, médio e longo prazo da queda recorde do PIB brasileiro

Entre abril e junho, a economia encolheu 9,7%, percentual recorde; entenda o que significam os números divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

1 set 2020 - 09h40
(atualizado às 09h47)
PIB despencou 9,7% no segundo trimestre de 2020
PIB despencou 9,7% no segundo trimestre de 2020
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A economia brasileira encolheu em velocidade recorde no primeiro semestre deste ano.

À queda de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) registrada entre janeiro e março, somou-se uma retração de 9,7% no período de abril a junho, de acordo com os números divulgados na terça (01/09) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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O tombo no segundo trimestre foi menor que o inicialmente previsto, no início da pandemia, em grande medida devido ao auxílio emergencial, que amorteceu a queda de demanda doméstica.

Ainda assim, e mesmo diante de uma recuperação que já se desenha para o segundo semestre deste ano, esse solavanco tem consequências que se manifestam não apenas no curto prazo.

Exploramos, a seguir, cinco delas.

Os serviços e a demanda doméstica

Pelo lado da oferta, na abertura por setores, aquele que mais sentiu o efeito da crise causada pela pandemia no segundo trimestre foram os serviços.

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Entre abril e junho, eles recuaram 9,7% em relação ao trimestre imediatamente anterior e 11,2% sobre o mesmo período de 2019, a maior queda da série histórica do PIB, que começa em 1996.

Como os serviços são um grupo bastante heterogêneo, respondendo por quase 70% do PIB, é preciso olhar o dado no detalhe para entender o que aconteceu.

Entre os 7 subgrupos que compõem os serviços no PIB, o pior desempenho foi o de "outros serviços", com recuo de 19,8% sobre o trimestre imediatamente anterior.

"Aí entram serviços prestados às famílias — restaurante, recreação, turismo, que dependem de interação social —, educação e saúde privada, serviços domésticos...", exemplifica Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro, do Ibre-FGV.

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"Esse é um grupo que tem peso relevante tanto dentro do PIB quanto no emprego", acrescenta a economista.

Mercado de trabalho e renda

Sem um horizonte claro de quando a situação poderia se normalizar, parte dessas empresas tem demitido para tentar compensar a queda de receita e outras já fecharam as portas.

Os efeitos de curto prazo aparecem nos indicadores de desemprego, que acabam tendo uma consequência menos visível sobre a renda: quanto mais tempo a economia levar para voltar a gerar vagas e absorver esse contingente de trabalhadores, menores tendem a ser os reajustes nos salários (já que teoricamente as empresas têm maior facilidade para contratar).

Retomada da demanda está ligada à recuperação do mercado de trabalho - que depende da capacidade e disposição das empresas de realizarem novas contratações
Foto: Valdecir Galor/SMCS / BBC News Brasil

O desemprego e a restrição de renda, por sua vez, jogam contra a retomada da demanda — um ciclo que, até que seja quebrado, diminui a velocidade de retomada da economia como um todo.

"Para que recuperação seja mais rápida, tem que haver perspectiva de demanda mais sólida", pondera Débora Freire, professora da UFMG e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Regional (Cedeplar).

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O efeito auxílio emergencial

O resultado dos serviços só não foi pior, acrescenta a economista, por causa do impacto positivo do auxílio emergencial, que ajudou a segurar o poder de compra especialmente entre as classes mais pobres.

Cerca de 67 milhões de pessoas receberam até agora o auxílio de R$ 600. De abril a agosto, o governo desembolsou R$ 179 bilhões com o benefício.

Os desdobramentos dessa injeção de recursos aparece mais nitidamente no subgrupo comércio, afirma José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

"O segmento de supermercados e farmácias ajudou a segurar o comércio", diz ele.

Um estudo recente do Ipea com dados da Pnad Contínua apontou que, em julho, 4,4 milhões de domicílios sobreviveram apenas com a renda do auxílio emergencial e que o montante desembolsado pelo governo mais do que compensou as perdas na massa salarial decorrentes da diminuição da renda do trabalho.

Auxílio emergencial ajudou a amortecer queda do consumo provocada pela pandemia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O Brasil foi um dos países emergentes que mais gastou em proporção do PIB para atenuar o choque causado pela pandemia, ressalta Matos, do Ibre-FGV.

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Para ela, a política compensatória forte é a principal explicação para o fato de que a retração da economia no Brasil foi muito menor do que em outros países da América Latina. O PIB do México caiu o dobro, cerca de 17% no segundo trimestre; do Chile, 13%; do Peru, 27%.

"A pergunta que não quer calar é o que vai acontecer quando começarem a retirar os estímulos", diz a economista.

Ela compara o país a um paciente em tratamento: no momento, ele está estabilizado, mas o antibiótico — a capacidade de o governo continuar injetando recursos na economia — está acabando.

Uma vez que esses estímulos sejam retirados, será possível ter uma ideia melhor do que está acontecendo no mercado de trabalho, ela acrescenta.

Investimentos e a capacidade de crescimento do país

Se, do lado da demanda, o auxílio emergencial ajudou a conter a queda do consumo das famílias, não houve amortecedor para a retração dos investimentos.

A Formação Bruta de Capital Fixo (a denominação dos investimentos no PIB) despencou 15,4% sobre o trimestre imediatamente anterior e 15,2% sobre o mesmo período de 2019.

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Uma das razões para o desempenho é o ambiente de grande incerteza, não apenas política.

"Essa foi uma crise muito diferente das outras, veio de repente, pegou o mundo inteiro em velocidade grande, afetou oferta e demanda", diz Souza Júnior, do Ipea.

"Ainda estamos tentando entender como as coisas vão ficar. Nem temos solução para a pandemia ainda. É um mar de incerteza muito grande", acrescenta.

Investimentos são compras de máquinas e equipamentos, construção civil. São recursos que, dependendo da forma como forem empregados, poder aumentar a capacidade de crescimento de um país no longo prazo — o PIB potencial, no jargão econômico.

A situação atual é preocupante porque os investimentos já vinham de uma trajetória bastante desconfortável. Depois de caírem quase 30% entre 2014 e 2017, se recuperavam em uma velocidade muito aquém do esperado, até voltarem a cair por causa da pandemia.

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Apesar do cenário de juros baixos, que favorecem o investimento, faltam ao Brasil outros ingredientes cruciais para as empresas retirarem projetos da gaveta, como a previsibilidade e uma demanda sólida por parte dos consumidores.

"A gente já começou essa crise com muito desemprego e uma limitação para gerar renda do trabalho", pondera Silvia Matos.

Redução da rentabilidade das empresas

Além da incerteza, a própria situação financeira das empresas também joga contra os investimentos.

"A principal questão da recuperação está nas empresas", diz a professora da UFMG Débora Freire.

Além das restrições impostas pela crise, a economista destaca que parte do setor privado está tendo dificuldade para acessar os programas de crédito lançados pelo governo.

"Eles não estão funcionando como deveriam", completa.

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Em outra frente, a conjuntura atual tem ajudado a espremer a rentabilidade das empresas, especialmente daquelas que, de alguma forma, são afetadas pelo dólar.

A forte desvalorização do real nos últimos meses encareceu os insumos importados — mas, diante da demanda fraca, muitas empresas não estão repassando esse aumento de custos para os preços para tentar manter as vendas.

Essa dinâmica é visível quando se observam os índices de inflação, diz Souza Júnior, do Ipea. Aqueles que medem a variação de preços para os produtores têm crescido bem mais do que os que captam a variação de preços para consumidores.

Pode-se observar essa dinâmica no Índice de Preços ao Produtor Amplo e no Índice de Preços ao Consumidor, que compõem o IGP-M:

A dificuldade de acesso a crédito e as margens de lucro apertadas têm impacto direto na saúde financeira das empresas, o que pode se refletir em um aumento das falências.

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Como consequência, há aumento do desemprego ou, no caso das empresas que conseguem sobreviver, desaceleração de novas contratações.

No caso dos investimentos, o Brasil também tem uma limitação pelo lado do setor público. A capacidade do governo de gastar é limitada diante do aumento expressivo do endividamento público nos últimos meses.

Em julho, a dívida pública atingiu o equivalente a 86,5% do PIB, o maior nível da série histórica do Banco Central, que começa em 2006. A estimativa da equipe econômica é que, até o fim do ano, ela atinja 100% do PIB.

Um caminho seria explorar investimento externo, especialmente em um momento atual, em que os juros estão baixos em boa parte dos países e o mundo está banhado em liquidez.

Nesse sentido, entretanto, o Brasil tem perdido oportunidades, diz Matos, do Ibre-FGV.

O excesso de alinhamento com os Estados Unidos, por exemplo, concentra energias que poderiam estar direcionadas também a outros mercados, como a China.

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A questão ambiental, acrescenta a economista, também é uma restrição. O Brasil teria um "espaço enorme" em um mundo que discute green bond (títulos para captação de recursos para financiar projetos na área de sustentabilidade) ou o mercado de créditos de carbono, mas dá preferência a uma agenda "com os óculos de 50 anos atrás", que desconsidera o meio ambiente.

"O Brasil é um país que em geral perde oportunidades, e está perdendo a oportunidade de atrair investimentos neste momento."

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