O rombo de R$ 20 bilhões nas contas da varejista americanas trouxe à tona também questionamentos sobre o papel da empresa de auditoria PwC, responsável por auditar o balanço da companhia. O caso coloca em xeque o trabalho da companhia de consultoria e auditoria e levanta dúvidas sobre sua possível responsabilização. Para analisar as inconsistências contábeis divulgadas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já instaurou dois processos administrativos.
Especialistas em governança e direito comercial ouvidos pelo Estadão dizem que o caso precisa também ser investigado por entidades como a Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC), para identificar se o serviço de auditoria agiu de maneira omissa ou conivente com o rombo financeiro.
Na avaliação de Carlos Portugal Gouvêa, sócio do PGLaw e professor de direito comercial na USP, o comunicado da Americanas no qual relata o rombo, divulgado na quarta-feira, 11, aponta para um caso de negligência da PwC, mas a situação ainda precisa ser investigada pelos órgãos do mercado financeiro.
"Essa responsabilização só acontece com uma investigação profunda, que analisa todos os materiais preparados pela empresa e pela auditoria. Isso é algo que pode se arrastar por anos", afirma. "O erro ocorreu, o que precisamos descobrir agora é se houve uma fraude, se alguém queria manter esse erro escondido."
Vale lembrar que o balanço de 2021 da Americanas, o primeiro documento anual divulgado com as operações unificadas entre a antiga operação digital (B2W) e as lojas físicas, recebeu parecer sem ressalvas da auditoria. A PwC, responsável pela análise dos dados financeiros da varejista, também não apresentou ressalvas nas revisões das informações trimestrais ao longo do ano passado. O resultado do quarto trimestre e os números consolidados de 2022 ainda não foram publicados. Estavam previstos para as próximas semanas.
Além das possíveis sanções em solo nacional, Gouvêa lembra que as ações da Americanas S/A também são negociadas na bolsa americana Nasdaq, o que torna a empresa sujeita às sanções públicas por parte do governo dos Estados Unidos, como o ocorrido nos casos Operação Lava Jato que envolviam a Petrobras. A estatal brasileira era investigada pelo Departamento de Justiça dos EUA e pela Securities & Exchange Commission (SEC, compatível a CVM) e teve de pagar uma multa milionária às duas entidades. "Se for identificado que se havia o objetivo de 'maquiar' o balanço, eles terão que responder lá também", destaca.
Para especialistas no assunto, que falaram sob a condição de anonimato, o escândalo na Americanas foi recebido como um caso de "barbeiragem contábil" e falta de padrão de governança, problema agravado pelo fato de a varejista integrar a lista de empresas do índice de governança corporativa "Novo Mercado", da B3, que deveria representar as melhores práticas no País. "Esse caso é uma 'barbeiragem' tão grande que dificilmente aconteceria sem ciência da diretoria e a conivência da auditoria", afirma um executivo do setor, que preferiu não se identificar.
Segundo o fato relevante enviado à CVM, as divergências teriam sido encontradas pela equipe contábil da Americanas em sua nova gestão, o que coloca a PwC nos holofotes do problema, uma vez que ela deveria ser responsável por analisar o balanço e apontar o problema, defendendo assim, o interesse dos investidores. Questionada sobre o rombo nas contas da Americanas, a PwC se limitou a afirmar que "não comenta balanços auditados pela firma por questões de confidencialidade contratual". Questionada, Americanas não respondeu até o momento desta publicação.