RIO - Um dos primeiros desafios do novo governo eleito para a Petrobras a partir de 1º de janeiro será reduzir o preço do gás de cozinha, o gás liquefeito de petróleo (GLP), disseram ao Estadão/Broadcast fontes com acesso à equipe de transição. Amplamente consumido pela população, o insumo é vendido pela estatal cerca de 40% mais caro que o preço internacional, medido pelo preço de paridade de importação (PPI), calculam importadores e consultorias do setor.
Trata-se, segundo as fontes, de uma das poucas certezas sobre o futuro mais imediato da Petrobras no momento em que integrantes do governo de transição chegam a Brasília e os grupos setoriais, como o dedicado à energia, começam a tomar forma. As diretrizes do terceiro governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a estatal são bem conhecidas: afastar os planos de privatização, modificar a política de preços e dar fim aos chamados "mega dividendos" para retomar investimentos de peso em áreas como refino e energias renováveis. Apesar disso, pouco se sabe como essas mudanças serão de fato incorporadas ao dia a dia da companhia.
Parâmetro de precificação adotado desde 2016 pela petroleira, o PPI se baseia nas cotações internacionais, sobretudo no Golfo do México (EUA), ajustadas pelo câmbio e acrescida dos valores de frete e seguro de cargas. Ao longo da campanha, Lula prometeu reiteradamente "abrasileirar" o preço dos combustíveis, o que passa por trabalhar com o real e retirar da equação fatores que não incidem diretamente sobre a produção nacional, como o frete marítimo.
Promessa de campanha
O desconto no GLP em refinarias, dizem fontes, vai acontecer em linha com mudanças na política de preços e será maior do que para o diesel e a gasolina. Uma maior redução no preço no gás de cozinha teria um forte efeito no poder de compra da população de renda mais baixa, uma prioridade do programa de governo de Lula.
Também entra na conta o fato de o GLP representar, no máximo, 5% das receitas da Petrobras, de forma que reduções mais abruptas nos preços teriam efeito reduzido nos resultados financeiros da estatal. Além disso, o País não é dependente de importações de GLP, o que deixa a companhia livre de pressões de importadores ou de ameaça de desabastecimento.
No diesel, cujas importações representam entre 25% e 35% do consumo nacional, se a Petrobras reduzir muito os preços nas refinarias, outros distribuidores ficam desestimulados em vender o produto estrangeiro, cotado a preço internacional. No limite, essa situação pode levar ao desabastecimento de regiões inteiras do País. Somados, diesel e gasolina representam entre 43% e 45% das receitas da companhia. Por isso, a redução de preços desses itens tende a ser mais cuidadosa.
Botijão acima de R$ 100
Nesta semana, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o botijão de 13 quilos ficou estável ao consumidor final, com média nacional de preço de R$ 109,86. O pico histórico do preço do botijão aconteceu na última semana de março, quando chegou a R$ 113,63.
Na primeira semana de janeiro de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o governo, o gás de cozinha custava R$ 69,34 ao consumidor. Nos três anos e 11 meses de seu governo, a alta foi de 58,4%. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), nesse mesmo período, o preço do GLP subiu 109,3% nas refinarias da Petrobrás.
No fim de junho, Aloizio Mercadante, um dos principais atores da transição e que foi coordenador do programa de governo da chapa Lula-Alckmin, disse ao Estadão/Broadcast que o plano era sair da política do PPI de forma "progressiva e consistente" a partir de uma média ponderada entre volumes importados e produzidos no Brasil. Para o GLP, a queda nos preços tenderia a ser imediata. "O peso relativo do gás de cozinha no faturamento da Petrobras é 5%. Nós sustentamos esse preço durante 12 anos. Você acha que quem fez por 12 anos não vai voltar a fazer?", indagou na ocasião.
Por mais de uma vez, Mercadante associou a redução do GLP aos esforços de combate à fome. Sobre o diesel, ele moderou e reconheceu a ameaça de desabastecimento caso os preços domésticos sejam descolados da cotação internacional de uma hora para outra. Por isso, Mercadante falou em "transição suave de preços".
Plano mantido
Duas fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast dizem que o plano continua de pé. Uma delas se arriscou a detalhar o futuro da política de preços da Petrobrás. Seria um novo modelo de cálculo para o preço de referência de importação, com um alinhamento ao cenário internacional no longo prazo e por meio de uma média móvel dos preços de 12 ou 16 meses, não mais perseguindo a média anual, como é feito o cálculo hoje. Haveria, também, redução da margem que compõe os preços atuais além do PPI e condicionamento do cálculo a fatores como a capacidade de caixa da Petrobras e o poder de compra do consumidor.
Preços regionalizados e fundo de estabilização
Além da mudança nos termos do cálculo da precificação dos combustíveis da Petrobras, outras medidas têm sido ventiladas. Uma delas, que conta com a simpatia do senador Jean Paul Prates (PT), nome cotado para assumir a estatal, trata da regionalização do preço dos combustíveis a partir da capacidade de cada refinaria e da necessidade de importação da região por ela atendida.
Grosso modo, cada região teria um preço de referência diferente e, nas regiões que dependem mais de importações, a Petrobras praticaria preços mais elevados para preservar a atratividade do importador. A Petrobras já pratica preços regionalizados e dá liberdade a seus superintendentes para ajustar as tabelas à realidade local de momento, embora informe preços médios em seus comunicados. Na prática, a proposta traria um aprofundamento da regionalização de preços.
Outra antiga solução que volta à discussão e que também conta com a simpatia de Prates é a criação de um fundo de estabilização para suavizar os efeitos das flutuações das cotações internacionais do petróleo e derivados sobre os preços domésticos. Essa conta de estabilização, diz uma terceira fonte com acesso às discussões, seria acionada somente em "momentos críticos", de forte alta do barril do petróleo no mercado internacional, e seria alimentada por verbas federais, como dividendos da Petrobras, royalties pagos por petroleiras e receitas de impostos que sobem em linha com as altas das commodities.