BRASÍLIA - Desde a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência, em junho do ano passado, desentendimentos políticos entre o Congresso e o governo atropelaram a tramitação da reforma tributária, que ficou em banho-maria sem a chegada da proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Embalados pelo placar de 379 votos bem mais alto do que os 308 necessários para aprovação, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RL) acertaram com o Ministério da Economia uma espécie de repartição de reformas entre as duas Casas para o "day after" da Previdência.
Câmara ficaria com as reformas administrativa e tributária e Senado, a pedido de Alcolumbre, com três Propostas de Emenda Constitucional (PEC), relacionadas ao pacto federativo.
A expectativa naquele momento era de que o segundo turno da Previdência na Câmara seria votado em 10 dias e, no Senado, a proposta teria tramitação rápida ainda durante o período do recesso parlamentar, que seria suspenso. Em 40 dias, com a fatura da previdência fechada, as outras propostas seriam apresentadas para avançarem no segundo semestre de 2019.
Os planos começaram a ruir com as dificuldades de interlocução política do Palácio do Planalto e o acerto da liberação das emendas com as lideranças do Centrão, o fiel da balança. No meio do caminho, o então secretário da Receita, Marcos Cintra, que conduzia e elaboração da proposta e defendia a volta de um tributo nos moldes da CPMF, rejeitada pelo presidente Bolsonaro, caiu.
Sem o acordo das emendas, a votação da Previdência foi sendo arrastada. Não havia base política para a votação em segundo turno. O recesso parlamentar ocorreu em julho e na volta aos trabalhos a disputa pelo protagonismo da reforma tributária entre o Senado, com a PEC 110, e a Câmara, com a PEC 45, só se intensificou deixando clara a rixa entre Maia e Alcolumbre sobre a agenda da reforma.
Maia foi o patrocinador da PEC 45, um texto preparado pelo Centro de Cidadania Fiscal do economista Bernard Appy, e Alcolumbre patrocinou a PEC 110, uma proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que foi ironicamente rejeitada pela Câmara.
A divisão de opiniões sobre fazer uma reforma ampla, com a unificação ampla dos impostos federais (PIS/Cofins), Estados (ICMS) e municípios (ISS), também ampliou o desgaste entre governo e Congresso em meio à posição dos Estados em defesa de uma proposta única. Sem a participação do governo, as comissões especiais tocaram os debates, mas sem avanços de fato na tramitação.
A ausência da proposta do governo intensificou as cobranças sobre o ministro, que não quis enviar o texto da reforma enquanto a votação da Previdência estivesse pendente. O risco era o de tributária ampliar as desavenças políticas e a previdência não ser aprovada.
A votação da reforma da Previdência só foi concluída no início do novembro, quando houve nova tentativa para avançar nas propostas, sem sucesso, para deixar o terreno pronto para o início do ano. Guedes chegou a apresentar as três PECs do pacto federativo. As reformas administrativa e tributária ficaram na gaveta. Depois nova crise política em torno do poder de parlamentares sobre R$ 30 bilhões de recursos do Orçamento mais uma vez atrapalhou o calendário e elevou a temperatura na relação entre as lideranças do Senado e da Câmara.
O acordo em torno do Orçamento só foi selado em março pouco antes de a pandemia da covid-19 obrigar o Congresso a fazer sessões virtuais de votação.
Durante a pandemia, a comissão mista, criada pelo Senado e Câmara, para fazer uma convergência das propostas não avançou sem o texto do governo.
Na semana passada, com a articulações política embaralhada em torno da movimentação de Alcolumbre para sua reeleição, nova crise surgiu com o anúncio de Maia de que a Câmara iria tocar a reforma tributária sozinha. Declarações do ministro sobre a intenção de criar um novo tributo sobre as transações digitais, visto como nova CPMF, aumentaram o ruído.
Um novo acerto foi feito entre Maia, Alcolumbre e Guedes para o envio da primeira fase da proposta do governo nesta terça-feira. Em troca, a expectativa é de que haja avanços na votação de projetos de novos marcos regulatórios que tramitam nas duas casas. A estratégia do ministro é deixar a desoneração da folha e a criação da novo tributo para financiá-la para a última fase. Mas o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já está discutindo o tema e deve incorporá-lo no seu parecer.