O Brasil vai terminar 2020 com a pior situação fiscal entre os maiores países emergentes. Com condições desafiadoras tanto em relação às despesas quanto ao crescimento, o País gastou mais para combater a crise causada pela pandemia de covid-19, o que levou sua dívida para quase o dobro da média desses mercados. A fatura pode render ao Brasil um desempenho econômico menos ruim do que o de seus pares internacionais neste ano, mas isso se dará à custa de uma forte deterioração das contas públicas, que ameaça piorar a nota de classificação de risco do País.
A situação fiscal do Brasil só é superada por países menores, como Angola, Líbia e Omã, de acordo com levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os emergentes comparáveis à economia brasileira, como México, Turquia e África do Sul, têm situação mais tranquila.
"O Brasil foi pior entre emergentes, aumentou mais o gasto", afirma o economista para América Latina da consultoria inglesa Oxford Economics, Felipe Camargo. "O País optou por sair mais rápido da crise com impulso fiscal mais forte, gastando mais dinheiro", diz. "O Brasil está em risco de perder mais uma nota do rating."
Na América Latina, por exemplo, o economista da Oxford destaca que o Brasil teve o maior aumento de dívida, com alta de 20 pontos este ano, o que vai empurrar o endividamento para perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). No México, foram 11 pontos a mais, o Peru teve 13 pontos, a Colômbia 14 e o Chile 11. Nos demais emergentes comparáveis ao Brasil, a África do Sul até então havia ficado com o aumento mais elevado, mas após a atualização das projeções, o Brasil passou o país.
Pelo lado positivo, Camargo ressalta que a dívida do Brasil é 90% em moeda nacional, enquanto outros emergentes têm parte importante em moeda estrangeira, mais difícil de ser financiada. Mesmo assim, ele argumenta que o País não tem condição de sustentar uma dívida tão alta.
"O Brasil tem uma realidade completamente diferente de outros países, como Chile e Peru, que tinham uma situação mais saneada, com um colchão fiscal para expandir os gastos. O Brasil não tinha. Se era frágil antes, mais frágil ficou", avalia o economista-chefe do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos.
De acordo com ele, a urgência na aprovação de reformas que direcionem o País para uma consolidação fiscal já era uma realidade antes da pandemia. Após o choque, tornou-se mais premente. Isso porque, além da situação frágil de suas contas públicas, o Brasil já crescia bem menos que outros países emergentes. "O Brasil já estava no topo das preocupações e continua aí. Agora, ficou com um nível de endividamento que ainda é bem maior do que qualquer outro país emergente", enfatiza Ramos.
Para o economista, o ritmo da retomada da economia brasileira não se mantém porque, além de ser retroativo a um forte baque por causa da pandemia, está ancorado nos estímulos fiscais: "O Brasil vai ter de, em algum momento, retirar esse estímulo fiscal porque tem de caminhar para a consolidação fiscal".
Potência fiscal
Com a realidade mais fragilizada das contas públicas brasileiras ante outros emergentes, a capacidade de resposta a um novo choque, como uma segunda onda de contágio de covid-19, estaria comprometida.
Até aqui, por exemplo, Chile e Brasil fizeram pacotes muito parecidos de apoio à economia em proporção do PIB, mas com pontos de partida de endividamento completamente diferentes. De acordo com o FMI, os dois países comprometeram um pouco menos de 9% do PIB com gastos adicionais e receitas perdidas por conta da pandemia, contra uma média de pouco mais de 3% dos emergentes.
Mas em 2019 a dívida bruta do governo geral do Brasil estava em 89,5% do PIB, no conceito do FMI (que inclui títulos da dívida emitidos pelo Tesouro Nacional que estão na carteira do Banco Central), enquanto a chilena era de 27,9% do PIB.
"Se o Chile quiser fazer outro pacote fiscal do mesmo tamanho, pode. Se o Brasil repetir o estímulo, a dívida vai pular para 110% a 115% do PIB, trazendo preocupações ainda maiores sobre a solvência do País", diz Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do Ibre/FGV.
Por outro lado, o México fez o pacote de suporte à economia mais modesto entre os emergentes, de menos de 1% do PIB. Assim, a expectativa é de que o endividamento siga moderado, passando de 53,7% em 2019 para 65,5% em 2020, projeta o FMI. Por outro lado, a queda do PIB deve ser vigorosa este ano, de 9%, conforme a previsão do Fundo.
"No Brasil, a contração econômica este ano deve ser menor do que se esperava. O pacote fiscal elevado talvez faça a diferença. Mas talvez o País tenha se precipitado em usar todo o arsenal este ano, o que tira o espaço de reforçar medidas no ano que vem", alerta Borges.