Enquanto curtia as férias na Indonésia, a brasileira Rubia Daniels ouviu seu marido comentar que casas estavam sendo vendidas por 1 euro na Itália - o equivalente a cerca de R$ 5 na cotação atual.
Movida pela curiosidade da oportunidade, três dias após a viagem ela se viu pegando outro avião rumo ao 'dedo' da 'bota' da Itália [referência ao mapa do país]: a região de Sicília. Lá, na cidade de Mussomeli, ela comprou três casas pelo valor simbólico e deu início a sonhos que, antes, nem imaginava ter.
Rubia, natural de Goiânia, mora na Califórnia desde os anos 90 e comprou os casarões italianos no início de 2019. Agora com 50 anos de idade, seu desejo é se aposentar nos próximos anos e partir definitivamente rumo à Itália - reforçando seus laços de descendência.
“Quando eu cheguei naquela cidadezinha, todo mundo me tratou bem. É uma cidade pequena e todo mundo é muito agradável. Todo mundo quer te conhecer, tomar um café. Eu me senti como se estivesse voltando para casa”, disse Rúbia, com brilho nos olhos, em entrevista ao Terra.
Esse é um projeto desenvolvido a nível municipal, na cidade de Mussomeli, em Sicília - uma cidade com cerca de 11 mil habitantes e reconhecida como uma das mais seguras da Itália. De acordo com o regulamento obtido pela reportagem, o objetivo da iniciativa é valorizar e recuperar os imóveis do centro histórico, tornando a cidade mais ativa. Com as facilitações, o que era visto como ruínas para alguns, se tornam possibilidades de recomeços para outros.
Por que as casas são vendidas por 1 euro?
- De acordo com informações do projeto Case 1 Euro, nas últimas décadas, muitos moradores deixaram a região de Mussomeli e se mudaram para grandes centros urbanos. Esse êxodo rural fez com que muitas casas que pertenciam a parentes mais velhos ou falecidos ficassem vazias;
Por acaso, Rubia foi uma das brasileiras pioneiras nessa toada. Imersa nas reformas nesses quase cinco anos, ela diz já ter ajudado diretamente e indiretamente mais de 150 pessoas a conseguirem comprar casarões por projetos do tipo. Sua filha, por exemplo, comprou uma residência ao lado de uma das suas. “Hoje meus vizinhos daqui [Califórnia] são também meus vizinhos em Sicília”, brinca.
O que você precisa saber para ter uma casa de um euro
Com base na experiência de Rubia e em informações oficiais, o Terra preparou uma lista do que o brasileiro precisa saber e fazer para conseguir se juntar ao grupo dos compradores de casas de um euro na Sicília. Confira as dicas:
1. Nada é feito pela internet
Para participar do projeto é preciso ir até o local. Para isso, o primeiro passo é entrar em contato com a prefeitura de Mussomeli e verificar a disponibilidade de visitas às casas que fazem parte do projeto. Lá, pessoalmente, a pessoa visita os locais, fica por dentro de todos os detalhes dos edifícios e consegue ter noção do quanto terá que investir para reformar o espaço.
Depois de escolher a casa histórica, é preciso preencher um modelo de solicitação de compra e dar início ao processo de aquisição. A dica de Rubia é que a pessoa faça sua ‘busca pessoal’ sobre o projeto e se planeje para dar o primeiro passo - ou o primeiro ‘voo’.
“É um fenômeno global. Tem gente do mundo todo indo para aquela cidade e escolhendo suas casas, escolhendo outras formas de viverem.”
Em Mussomeli, a agência autorizada para cuidar do processo é a Case 1 Euro. No site, com informações disponibilizadas em inglês, é possível conferir mais detalhes do trâmite. Lá também são disponibilizadas algumas fotos de casas disponíveis por um euro.
2. Casa é gratuita, mas a documentação não
O ‘um euro’ é simbólico. Mas, apesar de a casa ser gratuita, tudo que está associado à sua documentação tem um curto.
De acordo com a experiência de Rúbia, é preciso pagar 500 euros - equivalente a cerca de R$ 2.600 - aos agentes imobiliários para cada casa escolhida. Esse valor é para que eles preparem toda a documentação da casa e organizem a parte burocrática da compra do imóvel.
Depois, quando a documentação estiver pronta, também é preciso desembolsar um pouco mais para pegar a escritura do imóvel. Segundo Rúbia, o valor costuma variar entre 2800 euros (R$ 14.706) e 3500 euros (R$ 18.382). É nesse momento o comprador ganha as chaves da casa.
Além disso, há um pagamento caução que deve ser para o município de Mussomeli de 5 mil euros - cerca de R$ 26.255 -, válido por três anos. Essa é uma garantia de que o novo proprietário irá cumprir os requisitos obrigatórios do projeto.
Somando tudo, o brasileiro que quer investir em uma casa de um euro tem que gastar, no mínimo, em torno de R$ 40 mil só com a parte de documentação da residência - e todos os valores precisam ser pagos à vista. Além disso, é preciso colocar na conta o dinheiro a ser gasto com as viagens até o local e a reforma da casa.
3. Com a chave em mãos, responsabilidades
Com as chaves do imóvel em mãos, é a hora do proprietário começar a reforma e cumprir a principal obrigação do projeto: renovar a fachada da casa.
O novo proprietário terá um ano, a contar da data de compra, para elaborar um projeto de reforma e recuperação do imóvel. No total, o governo dá o prazo de três anos para que o novo proprietário reforme a parte exterior do imóvel. É um requisito que essa reforma mantenha as características do imóvel, porque essas casas estão localizadas no centro histórico da cidade.
Como algumas casas chegam a estar “em ruínas”, o que costuma dar mais trabalho é a reforma do telhado. Já com relação à parte interna da casa, o proprietário pode reformar conforme seu ritmo. Lembrando que a prefeitura de Mussomeli não fornece nenhuma ajuda de custo voltada para o processo de reforma.
4. Cuidado com a 'multa'
No caso de Mussomeli, se o novo proprietário da casa de um euro não reformar a casa no período de três anos, perderá os 5 mil euros que pagou de caução ao governo no início do processo. Na prática, segundo Rubia, depois que o projeto é finalizado esse valor costuma ser reembolsado mesmo se a pessoa tiver passado do prazo.
Caso o proprietário esteja com dificuldades no processo de finalização, a sugestão da brasileira é que a pessoa vá até as autoridades municipais e os mantenham informados.
5. Não é obrigatório morar
No caso de Sicília, não há obrigatoriedade de morar na residência comprada por um euro ou transformá-la em um negócio. Em outros países da Europa que contam com projetos similares, os requisitos podem variar.
Desse modo, na região, há quem reforme a casa e a transforme em uma casa de verão, ou faz um negócio, ou decide se mudar permanentemente - como no caso de Rubia, que pretende viver como aposentada por lá.
“Se você tem oportunidade, é uma opção excelente. Você vai estar em uma cidade que não tem violência, é um lugar lindo, perto do mar. Você vai estar perto de monumentos arqueológicos. Sicília é realmente fantástico. Para todos que tem a opção e tem o sonho, vale a pena.”
6. Pode pra vender?
Segundo Rúbia, as obrigatoriedades com o projeto terminam quando o novo proprietário cumpre a reforma da fachada. Após isso, é possível vender.
Para cada casa, um projeto especial
Rubia conseguiu escolher suas três casas entre as mais de 150 que estavam disponíveis no momento - isso porque ela foi uma das primeiras a participar do projeto em Mussomeli. Desde então, ela tem trabalhado em projetos especiais para cada um dos casarões.
Galeria de arte + lar
Essa é a primeira casa que terá sua reforma finalizada. A ideia de Rubia é que ela seja convertida em uma galeria de arte. Esse também foi o casarão escolhido para ser sua futura casa, em um dos andares.
Restaurante + hospedagem
A segunda casa de Rubia em Mussomeli se transformará em um restaurante - que será tocado por um de seus filhos. Já a parte de cima do edifício está sendo reformada para ser usada como locação de ‘Airbnb’ - uma forma de hospedagem.
Centro de bem-estar
O último projeto é o que levará mais tempo para ser finalizado - e também é o mais grandioso entre os três. Rubia pretende transformar um casarão de esquina, próximo à igreja Matriz da cidade, em um centro de bem-estar. A ideia é que seja um local onde as pessoas possam fazer ioga, meditação e confraternizar. Com esse projeto, ela quer participar efetivamente da vida social da cidade.