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Brics obsoleto? Os avanços e as fraquezas do 'supergrupo' de potências emergentes

14 out 2016 - 16h18
(atualizado às 16h27)
Os respectivos representantes do bloco dos Brics: Michel Temer (Brasil), Narenda Modi (Índia), Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia) e Jacob Zuma (África do Sul)
Os respectivos representantes do bloco dos Brics: Michel Temer (Brasil), Narenda Modi (Índia), Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia) e Jacob Zuma (África do Sul)
Foto: European Photopress Agency

O Brics - grupo de nações emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - volta a se reunir neste fim de semana, em um momento de enfraquecimento da economia e instabilidade política entre alguns de seus membros.

Embora o bloco hoje não corresponda fielmente à premissa que o lançou - ser um conjunto de potências econômicas em franca ascensão -, analistas ouvidos pela BBC Brasil discordam da hipótese de que o grupo esteja obsoleto.

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O encontro que começa neste sábado em Goa, na Índia, será a oitava cúpula do grupo e a primeira de Michel Temer como presidente.

A pauta inclui assinatura de acordos em comércio, agricultura e meio ambiente, além do debate de questões técnicas relacionadas ao chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como banco dos Brics.

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"A premissa original era realmente que seriam economias emergentes, que representavam novos polos de crescimento (no mundo). Porém, ao longo do tempo, o grupo foi adquirindo um peso político que torna a coalizão mais importante do que a soma das partes", analisa Adriana Abdenur, pesquisadora do Instituto Igarapé e especialista em Brics.

Ela destaca, em especial, o NBD, banco de desenvolvimento criado há pouco mais de um ano pelo bloco e que começou a liberar empréstimos em 2016, inicialmente com foco em geração de energia limpa.

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"A maior prova disso (força do bloco) é que consegue lançar novas instituições. Então mesmo que alguns dos Brics passem por momentos de crise econômica, há um impulso político que deve manter a coalizão e sua relevância, sobretudo no campo do desenvolvimento", acrescentou.

A atuação do grupo é pautada pelas áreas de convergência, que giram mais em torno da economia. Assuntos em que não há confluência de posicionamentos são, em geral, deixados de lado.

É o caso, por exemplo, da guerra na Síria - tema sobre o qual o grupo deve continuar a se manifestar apenas em termos genéricos, adiantou a embaixadora Maria Luiza Viotti, subsecretária-geral do Itamaraty para Ásia e Pacífico, em apresentação recente a jornalistas.

Neste fim de semana, os mandatários do grupo deverão assinar um acordo de cooperação alfandegária para criar canais de comunicação ágeis entre autoridades aduaneiras, com objetivo de facilitar trocas comerciais dentro do bloco.

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Também está prevista a assinatura de um memorando na área de agricultura, com foco no combate à fome nos cinco países.

"Quaisquer dos países, ainda mais no caso de múltiplos países, vão ter interesses em comum e divergências. Enquanto conseguem encontrar pontos de convergência, eles operam", afirma o diretor-executivo para o Brasil no Banco Mundial, Otaviano Canuto, ao rebater a crítica comum sobre o grupo não ter identidade forte.

Origem

O conceito de Brics nasceu há 15 anos, em 2011, quando o então economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, apontou Brasil, Rússia, Índia e China como um conjunto de nações emergentes em acelerada expansão que cada vez mais ocupariam o espaço dos países desenvolvidos na economia global.

Com 40% da população do planeta, os cinco países somam atualmente um PIB de US$ 16,92 trilhões, ou 23% da economia mundial.

Diante da forte instabilidade financeira global, os quatro membros originais passaram a se reunir anualmente em cúpulas a partir de 2009 para articular saídas para a crise, contrapondo-se ao tradicional grupo do G7, de potências desenvolvidas. Em 2011, a África do Sul entrou oficialmente para o bloco.

Atualmente, porém, Brasil e Rússia enfrentam uma recessão econômica, enquanto a China continua crescendo, mas em ritmo menor. No campo político, além da crise brasileira que levou à troca de Dilma Rousseff por Michel Temer no comando do país, o governo da África do Sul também enfrenta instabilidade por denúncias de corrupção envolvendo o presidente Jacob Zuma.

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O pesquisador do Wilson Center Carlos Eduardo Lins da Silva tem uma visão menos otimista do grupo dos Brics. Na sua avaliação, o bloco carece de objetivos comuns e acaba muito dependente da China, seu membro mais rico. Apesar disso, vê aspectos positivos para o Brasil.

"Em qualquer grupo em que um ator é preponderante, isso é ruim para os demais. Mas é sempre melhor estar num grupo, digamos, com poder de fogo, do que estar sozinho, numa relação bilateral. Na relação com os Estados Unidos, por exemplo, o Brasil está sempre muito mais frágil do que numa situação multilateral", observa.

"A mesma coisa no caso da China. Se tivéssemos apenas uma relação bilateral com a China, a fragilidade do Brasil seria maior do que em um fórum como esse, em que a fragilidade se dilui", acredita.

Lins da Silva, no entanto, não vê no momento um interesse prioritário da China pelo grupo.

Reunião dos Brics em Hangzhou (China) em setembro deste ano
Foto: European Photopress Agency

"Os Brics têm futuro na medida em que a China resolver que o bloco tem futuro. E não vejo disposição da China neste momento para investir muito nos Brics. Há outras prioridades. Banco por banco, eles estão investindo muito mais no banco que criaram para a Ásia (do que no NDB)", afirma, em referência ao AIIB (Asian Infrastructure Investment Bank).

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Temer x Dilma

Além disso, o pesquisador do Wilson Center vê risco de o grupo perder relevância durante o governo Temer.

"Primeiro porque o bloco é uma coisa Sul-Sul (relação entre países em desenvolvimento), que era uma das grandes prioridades dos governos do PT, e o governo Temer tem uma disposição de recompor relações com Estados Unidos e Europa principalmente. E Dilma tinha um certo xodó pelo grupo que Temer não necessariamente tem", avalia.

Otaviano Canuto, do Banco Mundial, discorda.

"Eu acho essa avaliação simplista, porque, independentemente de mudanças na política externa brasileira, isso não muda a confluência de interesses comuns com outros países Brics. É, de certa maneira, uma extensão da visão centrada em Washington, do tipo 'é nós ou eles'. Isso está equivocado", defende.

Segundo Canuto, é comum se deparar em Washington, onde vive, com sentimentos de desconfiança com relação ao grupo.

"Devo confessar que vivendo aqui e lidando muito com think tanks (centros de pesquisa), vejo sempre uma percepção que tudo que aconteça em que Washington não esteja no meio parece uma conspiração contra Washington. Mas isso deve ser um vício de lugar", contou.

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Diante do ceticismo com o grupo, seu inspirador, Jim O'Neill, escreveu neste ano um artigo celebrando os 15 anos da criação do acrônimo e defendendo sua pertinência.

"Eu criei a sigla não apenas porque as letras se encaixam, mas também por causa do significado real da palavra: essas economias emergentes, argumentei em meu artigo de 2001, devem ser os blocos de construção dos sistemas financeiro e de governança global recentemente revisados", observou.

"É verdade que o bloco dos Brics ultimamente tem atravessado um tempo difícil. (…) Mas a sugestão de que a importância dele foi exagerada é simplesmente ingênua. O tamanho das quatro economias originais do Brics, no seu conjunto, é mais ou menos consistente com as projeções que fiz anos atrás", argumentou.

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