No início do século XIX, começou a ganhar força nas áreas urbanas do Brasil escravista, as ganhadeiras (e ganhadores). Estas pessoas em sua grande maioria haviam sido escravas domésticas e, por conta do contexto político e econômico da época, foram transformadas em escravas de ganho.
Elas eram obrigadas a ir às ruas executar tarefas previamente estabelecidas pelos senhores de escravos e ao final do dia, semana ou mês entregar uma quantia combinada entre eles através de um contrato informal. O que excedia o valor acordado era de propriedade da ganhadeira que podia juntar ou usar no seu dia a dia.
Não preciso nem dizer a vocês que o combinado era feito de forma a não sobrar praticamente nada, né?
Mas quero chamar atenção para um detalhe: nessa época não era permitido aos escravizados acumular pecúlio. Legalmente, isso só foi possível a partir de 1871, com a Lei do Ventre Livre, mas ainda assim a gente tem registros de poupança de escravizados anteriores a esse ano.
Outra informação importantíssima é que as escravas de ganho foram fundamentais na compra de alforrias que chegaram a custar quase 2 MILHÕES DE RÉIS. Estas e outras informações bacanas você pode achar em “Mulher negra na Bahia no século XIX” da Cecília Moreira Sales.
A Documentação histórica da Caixa Econômica, ainda pouco estudada, mostra diversas cadernetas pertencentes a pessoas escravizadas. Fundada em 1860, a Caixa não permitia que pessoas não livres fossem depositantes. Mas, após a Lei do Ventre Livre, em 1871, isso mudou e mesmo sendo muito difícil acumular essa quantidade exorbitante de dinheiro, muitos escravizados conseguiram comprar suas alforrias e de seus familiares.
Muitos deles, depois de libertos, se mantiveram na atividade empreendedora e prosperaram como comerciantes, feirantes, alfaiates, quitandeiras, baianas de acarajé, dentre outras atividades.
O poder econômico das Baianas de Acarajé
Quando nosso povo era cativo, as “escravas de ganho” saíam como tabuleiros para vender quitutes e recebiam uma pequena fração do lucro. Ao longo do tempo, a atividade se intensificou e profissionalizou, saindo do domínio dos senhores e abrindo caminho para a libertação e independência financeira do povo negro.⠀
Hoje, os tabuleiros de acarajé pertencem às baianas, são fonte de renda e, até, empresas familiares. Em alguns casos, mais do que o sustento, elas alcançaram fama e riqueza.
Não à toa, as baianas são reconhecidos símbolos do poder econômico de Oyá, a Divindade que destrói para renovar através da economia intracomunitária. Comprando de nós, vendendo para nós e empregando os nossos, fortalecemos toda a comunidade como uma rede.
No passado, filhas de Oyá recebiam a autorização para vender o acarajé numa cerimônia religiosa. Com o tempo, pessoas que não honravam a tradição quiseram entrar nesse mercado esvaziando o sentido dessa história, mas desde 2005, a profissão é patrimônio imaterial do Brasil. Só pode ser exercida como venda de comidas ligadas ao culto de orixá, com roupas próprias do candomblé, como turbantes, panos da costa e colares de contas.
Pensar sobre a história das baianas é fazer o movimento de Sankofa. Voltar ao passado para entender o presente e construir o futuro. E esse é justamente o que move a maior parte dos empreendedores brasileiros; colocar comida na mesa, romper com o ciclo de escassez e dar um futuro melhor para as nossas famílias e comunidades.
Empreender e prosperar é possível, mesmo para quem começa sem herança ou incentivo e as Ganhadeiras são um ótimo exemplo de como o empreendedorismo e a organização financeira foram e ainda são ferramentas fundamentais para libertação, ascensão e autoestima de um povo.