Quando pesquisamos sobre educação financeira nas escolas, algumas pautas se repetem, como dar mesada para ensinar como gastar, já que dinheiro não dá em árvore. A necessidade de poupar e investir, o pagamento por tarefas domésticas para valorizar o trabalho.
Tudo isso faz sentido, mas esse conteúdo é produzido pensando em quais crianças? Quem são as famílias que possuem recursos hoje para dar mesadas e recompensar os filhos pela ajuda que eles dão em casa? Será que essas crianças representam a maioria das crianças brasileiras?
Estou trazendo essa reflexão aqui porque há alguns meses, viralizou um material de apoio para a disciplina de educação financeira na rede estadual do Paraná que gerou uma repercussão bem controversa pela abordagem adotada. O texto apresenta as diferenças entre pessoas com “mentalidade rica” e “mentalidade pobre” para alunos do sexto ano, com apenas 11 anos de idade.
O que dizia o material polêmico
Os slides divulgados mostram uma tabela comparativa que atribui a quem tem “mentalidade rica” características positivas como “vê as adversidades como aprendizado”, “faz o dinheiro trabalhar”, “assume os próprios erros” e “foca nas oportunidades”. A pessoa com “mentalidade pobre”, por sua vez, aparece como quem “vê as adversidades como insuperáveis”, “não assume responsabilidades”, “culpa os outros e o governo” e “foca somente nos problemas”.
O material ainda afirma que a diferença entre as duas categorias é que “as pessoas com mentalidade rica levam a sério o dinheiro e entendem os fatores relacionados às suas finanças pessoais. Em contrapartida, as pessoas de mentalidade pobre não levam a sério nem a matemática básica”.
Eu não preciso nem dizer o quanto esses estereótipos são ofensivos e não refletem sobre a realidade do povo brasileiro, não é? Um exemplo dessa falta de aprofundamento é culpar as pessoas por suas deficiências educacionais, quando a maioria dos brasileiros sequer tem acesso a educação básica de qualidade.
Outro ponto cego nessa discussão é não considerar a situação econômica do país, onde um salário mínimo está 6x menor do que o que seria necessário para superar a nossa inflação segundo o DIEESE.
Em outra ocasião, falei aqui sobre o quanto a pobreza impacta a nossa capacidade cognitiva, pesquisas indicam que ser exposto a escassez durante muitos anos impacta diretamente na capacidade humana de tomar decisões e de planejar a vida financeira no longo prazo.
Tudo isso para dizer que não é questão de mentalidade. O Estado, por exemplo, tem obrigação de fornecer as condições básicas de sobrevivência e dignidade humana, isso está garantido na Constituição Brasileira e é totalmente legítimo cobrar por saúde, educação e moradia de qualidade.
Educação financeira infantil é coisa séria
Mentalidade de pobre, na verdade, é pensar que riqueza é só acumular dinheiro e viver de renda, se do dia para noite todo mundo resolvesse parar de trabalhar e viver de renda, como estaria a nossa economia? Primeiro que isso não é acessível para todos em um país de mobilidade social tão difícil quanto o Brasil e segundo que ter tantos rentistas em uma economia não seria nem um pouco sustentável a longo prazo.
Para resumir, educação financeira é sim uma matéria muito importante para estar nas escolas, desde que seja tratada com a seriedade e a amplitude que o tema merece.
E se você tem um pequeno ou pequena em casa e já quer começar a introduzi-lo no universo das finanças, aqui vão alguns pontos importantes na educação financeira para crianças de baixa renda que você não pode deixar de tocar:
❇️Conhecimentos básicos de direito do consumidor
❇️Saber o valor da hora de trabalho para explicar quanto tempo trabalhado custa comprar algo
❇️Ensinar que cartão de crédito é dinheiro emprestado, e será preciso devolver
❇️Juntar dinheiro junto para conquistar algo, e mostrar como demora juntar dinheiro para ter algo (lento para juntar, rápido para gastar)
❇️Consciência de raça e classe, para mostrar que as pessoas que não partem do mesmo lugar não conseguirão correr lado a lado. Quem sai atrás leva mais tempo pra chegar.