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Como foram os piores episódios de hiperinflação na América Latina

Nos anos 80 e início dos anos 90, o Brasil e outros países da América Latina vivenciaram a hiperinflação, com a escalada descontrolada de preços; saiba como países contiveram altas de até 397% ao mês.

11 mai 2018 - 11h33
(atualizado às 11h48)
A Nicarágua teve a inflação mais prolongada da América Latina
A Nicarágua teve a inflação mais prolongada da América Latina
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Foram muitos os episódios de hiperinflação na América Latina nos anos 80 e início da década de 90 - uma época traumática em que o dinheiro não valia quase nada.

Diversos países enfrentavam um enorme déficit fiscal e a inflação estava tão disparada que preços mudavam de uma hora para outra.

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O Brasil se livrou da hiperinflação após o Plano Real. Outros países da América Latina também se recuperaram da escalada de preços - cada um com políticas fiscais diferentes e dolorosos ajustes fiscais que até hoje dividem economistas.

A Venezuela vive hoje um cenário semelhante ao de 30 anos atrás. Mas não foi lá que se registrou a pior inflação da região.

Peru

A pior hiperinflação da história recente da América Latina foi registrada no Peru em 1990, durante o governo de Alan Garcia. O país encabeça a lista se for adotada a definição mais utilizada pelos economistas, que considera a hiperinflação como a alta de preços de mais de 50% durante, pelo menos, 30 dias seguidos.

Seguindo esse parâmetro, o segundo lugar no ranking é ocupado pela Nicarágua e o terceiro, pela Venezuela, segundo o economista Steve H. Hanke, professor de economia aplicada da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

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A hiperinflação alcançou as maiores cifras no governo de Alán García, no Peru
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

De acordo com Hanke, o Peru chegou a alcançar inflação mensal de 397% em 1990; a Nicarágua, de 261% em 1986; a Venezuela, de 234% em abril deste ano; a Argentina, 197% em 1989; e a Bolívia, 183% em 1985.

A Venezuela caminha para quebrar, neste ano, o recorde negativo do Peru. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que o país alcance inflação anual de 13.000% em 2018.

Diego Macera, gerente-geral do Instituto Peruano de Economia (IPE), elogia a política fiscal agressiva do governo de Alberto Fujimori, adotada para reverter o quadro de inflação no Peru.

"Foi a (inflação) mais violenta da América Latina. Por isso, a política aplicada no primeiro ano de governo Fujimori foi fundamental. Foi dura, mas não havia outro modo de combater a hiperinflação", opina.

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Os efeitos da hiperinflação na América Latina se estendeu por muitos anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ele conta que, na ocasião, o economista norte-americano Milton Friedman fez uma comparação curiosa ao defender que Augusto Pinochet também adotasse um ajuste fiscal drástico no Chile.

"Se você cortar o rabo de um cachorro de pedacinho em pedacinho, acabará matando o cão. É preciso cortar num só golpe, de uma só vez. Isso também se aplica à inflação", contou Macera, ao lembrar do conselho de Friedman a Pinochet.

O 'Fujichoque'

Fujimori lançou o chamado "Fujichoque", provavelmente o ajuste econômico mais duro da história do país. Tão duro que após anunciar as medidas, o então ministro da Economia do Peru, Juan Carlos Miller, terminou o discurso com a famosa frase: "Deus nos ajude".

O país tinha um enorme déficit fiscal provocado, em parte, pelo aumento do gasto público durante o governo de Alan Garcia, que tentava aumentar a demanda interna.

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"Para financiar esse gasto, começaram a imprimir notas como loucos", disse à BBC Jorge Gonzales, professor de Economia da Universidade do Pacífico.

Fujimori implementou um forte ajuste fiscal para combater a inflação no Peru
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quando Fujimori chegou ao poder, ele revogou o controle de preços, liberou o dólar, permitindo a flutuação do câmbio, privatizou empresas públicas, eliminou subsídios e interrompeu a impressão de dinheiro, entre outras medidas.

"Fujimori conseguiu deter a inflação em poucas semanas", diz o economista.

Mas qual foi o custo disso?

"Se for para fazer uma crítica, eu diria que Fujimori não soube ou não conseguiu criar uma rede social de ajuda para moderar os efeitos do plano", avalia Gonzales.

Políticas semelhantes foram adotadas em vários países da região que também sofriam com a hiperinflação.

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Inflação anualizada

Segundo dados do Banco Mundial, enquanto a pior inflação mensal foi registrada no Peru, a pior inflação anualizada (que mede a alta dos preços nos últimos 12 meses) da história da América Latina foi na Bolívia: 23.443% em 1985. Em seguida, vem Argentina, com 20.262% em 1990 março de 1990, e Peru, com 12.378%, em agosto de 1990.

Completam a lista o Brasil, com 6.821% em abril de 1990 e o Chile, com 745% em abril de 1974.

Os dados do FMI divergem dos do Banco Mundial. Segundo o FMI, a hiperinflação mais alta da América Latina foi na Nicarágua, em 1987, com alta anual de preços de 13.111%, seguido por Bolívia, em 1985, com 11.750% e Peru, em 1990, com 7.840%.

Em 1985, a Bolívia sofreu com a alta dos preços
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na Bolívia, o deficit fiscal gerou um cenário complexo. Em 1982, o governo Hernán Siles Zuazo adotou controles à política cambial. A inflação escalou rapidamente.

Em 1985, a situação estava fora do controle. Ao assumir o poder, Victor Paz Estenssoro adotou uma dura reforma econômica.

O pacote incluía medidas como a eliminação do controle de preços, reajustes nas tarifas de serviços públicos, congelamento de salários, paralisação de investimentos públicos e financiamento externo do deficit fiscal.

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Esse pacote também não chegou acompanhado de políticas sociais para mitigar seus efeitos na população.

A Nicarágua, por sua vez, teve a hiperinflação mais prolongada - se estendeu de junho de 1986 a março de 1991.

Não gaste mais do que tem

O cenário internacional atual é muito diferente do que existia nos anos 80 e início dos anos 90. Por isso, segundo os especialistas, as receitas implementadas naquela época não seriam, necessariamente, as mesmas no contexto atual.

Segundo Diego Macera, a hiperinflação da Venezuela é caracterizada, diferentemente da peruana, por uma profunda escassez.

"Mas a natureza do problema é similar: um controle exagerado do sistema de mercado, que afoga a economia. Nesse sentido, a estratégia que deve ser adotada é similar à implementada pelo Peru", avalia Macera.

O FMI prevê que a inflação aual chegue a 13.000% em 2018
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quem acompanha casos de inflação a nível internacional argumenta que o primeiro passo é garantir independência ao Banco Central e deixar de financiar o deficit fiscal com a emissão de notas.

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"Não se contém corrupção controlando preços ou assumindo o controle dos supermercados", diz Jorge Gonzales. "É como se uma pessoa com febre decidisse baixar a temperatura quebrando o termômetro."

Outros especialistas defendem que o primeiro passo no combate à crise deveria ser dolarizar a economia. Se fizesse isso, a Venezuela se tornaria o quarto país da América Latina a adotar a moeda norte-americana, depois de Panamá, El Salvador e Equador.

Mas muitos defendem adoção de câmbio flutuante (como é no Brasil), com bancos centrais fortes e independentes.

Milhares de venezuelanos tentam deixar o país para escapar da crise econômica
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os que defendem essa política, como o economista venezuelano Omar Zambrano, pensam que ela estabilizaria os preços, aumentaria o crescimento e reduziria a pobreza.

Entre as lições deixadas pelas crises hiperinflacionárias na América Latina está a de que o manejo irresponsável da política monetária e da economia pode ter consequências gravíssimas.

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Essa lição teve que ser aprendida à força pelos países que sofreram com a espiral descontrolada de subida de preços.

Na Venezuela, ainda não se sabe que medidas o governo de Nicolas Maduro vai tomar para solucionar a crise. Mas, por enquanto, não há sinais de que a hiperinflação deixará o horizonte do país.

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