Apresença feminina em cargos de lideranças nas empresas ainda é tímida. De acordo com dados do IBGE, apenas 37,4% dos cargos gerenciais existentes em 2019 eram ocupados por mulheres.
O desafio para reverter o quadro é enorme, mas requer mais atenção ao se considerar a interseccionalidade, em que são levados em consideração aspectos étnico-raciais e de orientação sexual.
“Existe uma infinidade de grupos, que infelizmente são ainda menos representados em cargos de gestão nas organizações. As mulheres negras são muito mais raras em cargos de diretoria e de gestão no país. Não se trata apenas de abrir mais espaços para mulheres dentro das organizações, mas também de uma mudança completa, tanto cultural, como estrutural, de toda a sociedade”, explica Daniela Brites, sócia da área de Gestão de Pessoas da EY.
Para Daniela, as mulheres desenvolvem um papel fundamental na criação de ambientes mais acolhedores, criativos e com alta performance, promovendo um impacto e um resultado mais positivo nas organizações. Por isso, é fundamental criar programas de liderança focados em mulheres ou processos de recrutamento específicos para contratação de grupos minorizados.
Em entrevista, a consultora fala dos desafios, da resistência em aceitar lideranças femininas e a importância da equidade nas empresas.
Quais os desafios das empresas para mudar o cenário apontado pelo IBGE?
Estamos lidando com um cenário repleto de fatores históricos, culturais e sociais, que precisam ser desconstruídos com o tempo. Quando debatemos sobre liderança feminina nas empresas, inevitavelmente, precisamos englobar uma série de outros grupos intrínsecos a tal categoria. Afinal, dentro de “mulheres” existe uma infinidade de grupos, que infelizmente são ainda menos representados em cargos de gestão nas organizações. As mulheres negras são ainda mais raras em cargos de diretoria e de gestão no país. Não se trata apenas de abrir mais espaços para mulheres dentro das organizações, mas também de uma mudança completa, tanto cultural, como estrutural, de toda a sociedade. E, nesse contexto, as iniciativas empresariais têm um papel fundamental. Estamos falando da atuação e da adaptação de gestores e de setores de RH. É necessário englobar todos na organização de modo a encarar os processos seletivos ou promocionais de uma forma mais justa, honesta e com valores que não dizem respeito ao sexo, gênero e crédulo.
Como estabelecer um plano prático e estratégico para aumentar a presença feminina em cargos de liderança?
Todas as empresas podem (e devem) promover ações para impulsionar a liderança feminina no mundo corporativo, criando oportunidades de desenvolvimento profissional e ascensão de carreira. Para isso, criar programas de liderança focados em mulheres ou processos de recrutamento específicos para contratação de grupos minorizados é uma estratégia que vem sendo muito adotada pelas organizações. Muito se fala sobre os programas de mentoria e coaching, relevantes para o desenvolvimento de lacunas técnicas e comportamentais. Muitas vezes, o maior problema com a falta de representação das mulheres no poder é a falta de bons modelos a serem seguidos. Mas há ainda outros dois direcionadores importantes: o patrocínio interno e o acesso a oportunidades que mudam a carreira de qualquer profissional de talento. Observamos três ações que têm gerado um impacto positivo nesse movimento: atuação em projetos de grande visibilidade, atuação em projetos complexos e experiência internacional. Mais importante do que ter as iniciativas é garantir que as mulheres estão sendo consideradas na mesma proporção que seus colegas homens.
Ainda existe resistência de funcionários com lideranças femininas?
Existe uma questão cultural muito forte nesse contexto, embora nas últimas décadas as mulheres venham ocupando novas posições no mercado de trabalho. Há ainda o preconceito e o descrédito em relação às capacidades das mulheres no espaço de trabalho. E isso vai muito além das diferenças quanto às oportunidades de as mulheres assumirem posição de liderança: há desrespeito, assédio sofrido por muitas delas, disparidade salarial de gênero e falta de políticas favoráveis à família. Ainda que já existam soluções previstas em lei para situações como essas, o machismo enraizado em nossa sociedade contribui para o agravamento desse cenário. Em cargos de liderança feminina isso pode ser percebido de forma ainda mais evidente, pois envolve muitas responsabilidades e decisões estratégicas e o que observamos, eventualmente, é que liderados ou diretores tendem a questionar escolhas ou desrespeitar sua autoridade.
Como as lideranças femininas podem se fortalecer nos seus cargos e ajudar na equidade?
Acredito que as mulheres desenvolvem um papel fundamental na criação de ambientes mais acolhedores, criativos e com alta performance, trazendo um impacto e um resultado mais positivo nas organizações. É preciso conscientizar a liderança predominantemente masculina e incentivar homens no poder a adotarem alguns dos comportamentos de liderança mais eficazes, comumente encontrados em mulheres. Isso pode ajudar a criar um debate produtivo nas empresas, construindo um ambiente muito mais equânime a partir de um conjunto de mindsets e comportamentos que abrem caminho para que homens e mulheres competentes avancem.