Políticos ligados ao presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, estiveram em São Paulo nesta segunda-feira (21/10) para apresentar o plano de reconstrução para uma eventual Venezuela pós-Nicolás Maduro.
Na plateia, representantes ligados ao setor financeiro, de petróleo e de infraestrutura brasileiros, além de funcionários diplomáticos de países da região que reconhecem a liderança de Guaidó, acompanharam a apresentação com a promessa de abertura comercial para investimentos externos e privatizações — ainda que Maduro siga no comando do país vizinho.
Mesmo sem assumir de fato o governo, Guaidó é reconhecido por mais de 50 países no mundo. Agora, tenta ampliar sua base de apoio com empresas interessadas em abrir negócios, investir e até mesmo comprar as estatais que a oposição ao chavismo planeja vender.
O projeto já foi apresentado na Argentina, no Peru, EUA e no Chile. O grupo, apresentado pela embaixadora nomeada por Guaidó no Brasil, María Teresa Belandria, afirmou que irá se reunir também com representantes do governo brasileiro na passagem pelo país, sem especificar quem seriam.
"Nesse novo sistema que estamos propondo, existe um mundo de oportunidades. A crise que vivemos na Venezuela pode ser convertida em uma enorme oportunidade em que o Brasil vai ter um papel estratégico e de protagonismo", disse Aquiles Hopkins Gonzáles, coordenador técnico agroalimentar do "Plano País", como foi batizado o projeto de Guaidó.
"Sabemos da dívida que a Venezuela tem hoje com o Brasil, e ela será honrada. Mas o banco nacional de desenvolvimento [em referência ao BNDES] será importante para o apoio financeiro aos empresários brasileiros que estão dispostos a vender o que a Venezuela vai precisar comprar", disse Hopkins, que também é presidente da Fedeagro (Confederação de Associações de Produtores Agrícolas da Venezuela).
Segundo Hopkins, a equipe de Guaidó já está em negociações com a equipe do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL), para alinhar as negociações que permitirão o começo dos trabalhos que assegurarão a produção e venda "do que a Venezuela necessita: alimentos, matérias-primas, insumos e apoio para nosso setor primário", afirmou.
"Estamos conscientes de que o apoio multilateral vai chegar depois do fim da usurpação [como a oposição trata o governo de Maduro]. Por isso, estamos dando um passo antecipado e traçando a rota da reconstrução."
Alimentação, mineração e energia na privatização
O "Plano País" contempla os setores de alimentação, agricultura, mineração e energia — incluindo o petróleo. "Estamos fazendo um plano de reestruturação do setor público completo. A Venezuela tem hoje cerca de 1.000 empresas públicas, muitas delas vinculadas a áreas produtivas que seriam naturalmente do setor privado", afirmou à BBC News Brasil o deputado da Assembleia Nacional de maioria opositora que elegeu Guaidó, Juan Andrés Mejía.
Segundo ele, algumas empresas devem ser fechadas, mas a estatal petrolífera PDVSA não entraria na privatização.
"O setor energético pode ser oferecido ao setor privado, mas não a PDVSA. Hoje, seria preciso US$ 120 bilhões para que, nos próximos 8 anos, a PDVSA voltasse a produzir o que produzia há cinco anos. A PDVSA não tem esse dinheiro. Então, precisaríamos de investimentos do setor privado", diz Mejía.
"O petróleo que é produzido hoje na Venezuela só é extraído graças às empresas de outros países, como China, Rússia e até mesmo dos EUA, como a Chevron. O pouco que ainda funciona tem dinheiro externo", explica o deputado opositor do chavismo.
Na avaliação de Mejía, tudo o que tem relação com o setor agroalimentar não deveria ter participação ativa estatal. "Cabe ao setor privado produzir alimentos, e é isso que queremos. O mesmo deve ocorrer com o setor da construção. Fazer moradias é uma competência que certamente pode ser repassada ao setor privado. Há serviços que podem ser privatizados rapidamente, como as telecomunicações; outras áreas, como água e eletricidade, são mais complexas e devem passar por uma avaliação mais cuidadosa", afirma o deputado.
Questionado sobre a possibilidade de o "Plano País" atrair o apoio dos militares venezuelanos — que sustentam Maduro no poder —, o opositor chavista admite que "o tema militar é o mais complexo do plano".
"Sabemos que parte da estratégia de Maduro foi entregar a presidência de empresas estatais aos militares, o que consideramos inaceitável. Foi feito, por exemplo, com o arco mineiro do Orinoco [uma grande reserva de ouro, cobre, diamante, ferro e bauxita explorada]. Outra coisa que precisamos acabar é o contrabando da gasolina, que virou uma espécie de negócio sob o comando dos militares. Isso deve ser combatido com o preço do combustível mais competitivo, fazendo com que o tráfico não valha a pena", opina.
Entre os incentivos para o apoio de empresários brasileiros, um dos argumentos mais citados foi o "marco jurídico de garantias com uma política econômica de estímulo à produção e à exportação", afirmaram os representantes presentes.
Um dos empresários presentes no evento, Ricardo Alves, que trabalha na área de exploração offshore de petróleo, afirmou que está indo para a Venezuela nos próximos dias para avaliar o potencial do que pode investir lá no futuro com uma eventual troca de governo. "O que fica em aberto é quando isso muda, o que não sabemos. Mas estaremos preparados. Vamos plantar uma semente lá", afirmou.
Outro empresário, Lynn Langhorne Farmer, também do setor de exploração offshore, relatou já fazer negócios com a Venezuela de Maduro, mas disse estar disposto a ampliar seus investimentos.
"A gente está em todo lado. Onde der para investir e ganhar dinheiro, estamos interessados", disse.
O evento foi realizado em um cinema de São Paulo apenas para convidados. Foi organizado pelo Instituto Venezuela (iVen), organização criada por venezuelanos que já viviam no Brasil para auxiliar os refugiados com capacitação e busca de empregos — e apoiar o governo de Guaidó.
'Voltar para casa'
Foi apresentado ainda o projeto Voltar para Casa, para que os mais de 4 milhões de venezuelanos que deixaram o país por conta da crise humanitária possam regressar "de forma ordenada e organizada", como explicou Darío Ramírez, coordenador internacional do "Plano País" e conselheiro de Guaidó na embaixada da Venezuela no Panamá.
Em países como Chile, Peru e Argentina, que receberam um número de venezuelanos muito maior do que o Brasil, Ramírez afirmou que os representantes de Guaidó conseguiram acordos para capacitar os refugiados venezuelanos recebidos pelos países para que, quando eles retornarem ao país de origem, possam ajudar na reconstrução. O Peru, por exemplo, aceitou dar capacitação no setor de turismo; a Argentina ofereceu capacitação tecnológica aos venezuelanos.
O cadastro é feito em uma página na internet (https://vuelveacasa.com/), onde o venezuelano diz quando gostaria de voltar ao país na hipótese de Maduro deixar o poder.
"A realidade é que precisamos que as pessoas retornem de maneira organizada e justamente que possam voltar a ser parte desta reconstrução", explicou. A ideia do programa é planejar os retornos em períodos e diferentes aptidões e experiências profissionais para auxiliar na reconstrução "não só no nível público, mas também para que possam trabalhar nestas empresas que virão para o país para investir", afirmou Ramírez.